Que regulamentações o Brasil e outros países da América Latina aplicam em relação aos nômades digitais?

Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicam que hoje existem mais de 100 milhões de trabalhadores em condição de nômades digitais./ Shutterstock - José Luis Carrascosa.
Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicam que hoje existem mais de 100 milhões de trabalhadores em condição de nômades digitais./ Shutterstock - José Luis Carrascosa.
A pandemia promoveu o trabalho remoto e hoje diversas nações latino-americanas concedem vistos para formalizar a migração de funcionários que exercem funções em empresas no exterior utilizando tecnologia.
Fecha de publicación: 03/10/2023

Hoje, existem quase 60 países que concedem vistos para trabalhadores remotos, aqueles que, aproveitando as novas tecnologias, decidiram estabelecer-se em diferentes regiões do mundo para realizar remotamente o trabalho que lhes foi confiado numa determinada empresa (estrangeira), especialmente em áreas que podem ser realizadas remotamente, como marketing, atendimento ao cliente, criação de conteúdo, tradução, design e software, entre outros.

Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicam que hoje existem mais de 100 milhões de trabalhadores em condição de nômades digitais e a projeção é de 1 bilhão até 2050. A atividade tem impacto em setores como o turismo e tem impacto econômico (rendimento em moeda estrangeira) e impacto social (transferência de conhecimento e diversidade).

O banco fala sobre evolução da figura do freelancer para o e-lancer, produto do surgimento de plataformas tecnológicas como Workana e Upwork, para citar algumas, em que profissionais independentes oferecem seus serviços a um universo de clientes maior do que podiam acessar até poucos anos atrás.


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Em grande medida, a pandemia da COVID 19 contribuiu para promover a figura do nômade digital, uma espécie de teletrabalhador que não possui local fixo de trabalho. A figura também se tornou popular na América Latina, onde vários países da América Central, do Norte, Sul e do Caribe possuem regulamentações que contemplam a concessão de vistos a nômades digitais. Em alguns casos, esses tipos de vistos começaram a ser concedidos após a pandemia.

Algumas nações exigem que haja um tutor legal para processar este tipo de vistos. E, embora este não seja o caso em outras nações, os especialistas recomendam obter aconselhamento prévio de um advogado de imigração para que o processo avance de forma rápida e segura. Uma vez no país receptor - (algumas nações permitem processar o visto como turista) - também é recomendado ter assessoramento labora, pois pode acontecer que o contrato termine e não seja possível solicitar o visto ou renová-lo, bem como assistência fiscal. Devido à experiência de alguns países da região neste tipo de procedimento, o grande desafio é cumprir os requisitos para se candidatar.

Vamos revisar, com a ajuda de especialistas, a regulamentação e a experiência do Brasil e de outros países da América Latina na concessão desse tipo de visto.

Brasil: trâmite interno ou a partir do exterior 

Publicada em 2021, a Resolução Normativa nº 45 do Conselho Nacional de Imigração regulamentou a concessão de vistos temporários e autorizações de residência aos imigrantes.

Segundo especialistas, a regra é clara e permite a permanência do beneficiário por um ano, com possibilidade de prorrogação por mais um ano, além de abertura de conta corrente, obtenção de CPF e trazer familiares.


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Para comprovar sua condição de nômade digital, a pessoa  deverá apresentar declaração que ateste sua capacidade de exercer suas atividades profissionais remotamente, contrato de trabalho e comprovante de salário de no mínimo US$ 1.500 por mês ou saldo em sua conta de no mínimo US$ 18 mil.

“O grande desafio para nós, advogados, é reunir tudo o que é necessário em termos de requisitos e documentos. Às vezes, é preciso algum tipo de certificado ou contrato com cláusula específica”, explica Suzana Marques, sócio da EMDOC, consultoria especializada em imigração.

Apesar de ser um padrão relativamente flexibilizado, fica claro que, se for comprovado que a pessoa não é nômade digital, ela poderá ser deportada. 

É possível até solicitar visto no exterior, assim a pessoa já entra no Brasil como nômade, mas também é possível entrar no Brasil como visitante ou turista e depois obter o visto de nômade digital. A legislação local sempre permite que os imigrantes alterem o seu estatuto de imigração. 

Diferentemente de outros países, o Brasil não oferece tratamento tributário especial para nômades. O país tem uma política tributária muito complexa e o nômade provavelmente se tornará residente fiscal. Por essa razão, Marques recomenda ter uma boa assessoria sobre este assunto.

“A Fazenda Federal não entrou nessa discussão. Não existe uma norma que resolva esse problema. Trabalho com imigração há mais de 30 anos e nunca vi o IRS ― não apenas no contexto dos nômades digitais, mas em qualquer assunto de imigração ― sentar-se com as autoridades e criar uma regra que seja consistente com ambos. Cada um vive em seu próprio mundo paralelo”, critica René Ramos, também sócio da EMDOC.


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Apesar disso, em geral, a norma é vista com bons olhos, especialmente porque coloca o Brasil no mundo. “O nomadismo digital é uma realidade global. Traz também um viés tecnológico muito forte que pode ser importante para o país em termos de investimentos. Já tivemos casos de pessoas que chegaram como nômades digitais e acabaram virando investidores. Portanto, promove o crescimento do país”, avalia Marques.

Desde a sua publicação até julho deste ano, o Ministério das Relações Exteriores emitiu 475 vistos para nômades, 167 só este ano. Entre as nacionalidades que mais solicitaram vistos estão americanos, alemães, ingleses, franceses e suíços. Os estados brasileiros que mais recebem esses trabalhadores são São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Costa Rica: pioneira na América Central

​Em agosto de 2021, entrou em vigor na Costa Rica a Lei 10.008 (Lei para atrair trabalhadores remotos e prestadores de serviços internacionais, mais conhecida como Lei para Nômades Digitais).

Trata-se de uma modificação da Lei nº 8.764, Lei Geral de Migração e Imigração, à qual é acrescentado um novo visto para não residentes com validade de um ano, prorrogável uma vez por igual período. Para ter direito à prorrogação do benefício, é necessário ter permanecido no país por no mínimo 180 dias durante o ano originalmente concedido. A pessoa também pode optar por outra categoria de imigração.

O processo, que não deve demorar mais de 15 dias, inclui o preenchimento do formulário de filiação na plataforma da Direção Geral de Imigração e tem um custo de 100 dólares. Alguns requisitos para preenchê-lo são cópia do passaporte, apólice de serviços médicos e comprovante que comprove a remuneração mensal recebida.

A estada para nômades exige, entre outras coisas, comprovação de renda mensal de 3.000 dólares se for solteiro ou 4.000 dólares se a viagem for em família.

De acordo com Mariela Saborío, sócia da García Bodan - Costa Rica, os nômades digitais têm como benefício o free tax durante a sua estada, o que significa que estão isentos do pagamento de imposto sobre o rendimento e de impostos de importação sobre o equipamento básico necessário ao desempenho do seu trabalho.


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Além disso, podem utilizar a carteira de habilitação de seu país de origem, desde que válida. Eles também podem abrir contas de poupança em bancos do sistema bancário nacional.

Colômbia: visto por até dois anos 

Naquele país, a Lei 2069 de 2020 estabelece a possibilidade de pessoas que se dedicam ao trabalho remoto e/ou independente poderem solicitar visto de nômade digital. Além disso, está vigente a Resolução 5477 de 2022, que incluiu a categoria de visto V Nômade Digital e documentos adicionais. Estima-se que, até esta data, tenham sido concedidos 350 vistos deste tipo. O tempo médio de resposta é de 30 dias e o custo total do procedimento é de US$ 231.

Para obter esse visto, o trabalhador estrangeiro deverá comprovar que possui renda de pelo menos três salários mínimos mensais legais vigentes, o que, em dólares, equivale a US$ 858,9.

O visto tem validade de até dois anos e seu titular pode solicitar o documento para seus beneficiários (companheiro(a) e filhos), com a única restrição de que não poderão receber remuneração financeira de pessoa física ou jurídica domiciliada na Colômbia.

Embora o país não forneça tratamento tributário especial para pessoas físicas chamadas nômades digitais, no que diz respeito ao imposto de renda, na medida em que não sejam residentes fiscais na Colômbia, eles serão tributados apenas sobre sua renda de origem nacional, sem ter que pagar impostos sobre seus rendimentos provenientes de fonte estrangeira, conforme previsto na Lei Tributária.

Rafael Abuchaibe, associado sênior e membro do grupo de direito trabalhista e assuntos de imigração da Lloreda Camacho & Co., explicou que, no caso de permanecerem contínua ou descontinuamente no país por mais de 183 dias corridos, incluindo dias de entrada e saída do país, serão residentes fiscais colombianos e, portanto, deverão pagar impostos sobre seus rendimentos tanto de fonte nacional como estrangeira.


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Ele comenta que, embora esta seja a regra geral, deve ser analisado caso a caso, levando em consideração o que está estabelecido nos acordos para evitar a bitributação, especialmente a cláusula de nação mais favorecida, para determinar um tratamento tributário mais favorável ao nômade digital . Deve-se também estudar se estes podem gerar, para efeitos fiscais, um estabelecimento permanente na Colômbia para a empresa estrangeira à qual prestam serviços, de acordo com os requisitos do Estatuto Tributário. 

O Equador não exige um representante legal

Naquele país, essa modalidade de visto está em vigor desde 10 de março de 2022 e é regulamentada pela Lei Orgânica da Mobilidade Humana e sua regulamentação que, entre outras coisas, prevê que é necessário justificar rendimentos de fonte estrangeira equivalentes a três salários-base mensais unificados, que totalizam 1.350 dólares por mês, o que pode ser comprovado com certificados bancários, além de certificar que não possui antecedentes criminais e possui plano de saúde.

Daniel Robalino, sócio do Robalino Advogados, explica que no Equador não existe um regime tributário preferencial para esses trabalhadores e, se for verificado o cumprimento dos requisitos da lei do regime tributário interno, eles poderão se tornar residentes (por permanência, núcleo principal de atividades ou interesses econômicos), em cujo caso deve-se aplicar o regime geral de tributação.

O visto tem validade inicial de até um ano, renovável após esse ano.

“Em termos de migração, o Equador se torna um país atraente para o trabalho remoto, pois o custo de vida é relativamente baixo em comparação com outros países da região e, além disso, possui condições favoráveis ​​de clima, localização e conectividade”, comenta, ao mencionar a situação política e as condições de segurança como desvantagens.

O Equador não exige um representante geral, mas sugere-se contar com assessoria jurídica para ter orientação adequada durante todo o processo.

O beneficiário não está limitado quanto ao tempo de ausência do país, podendo entrar e sair desde que possua visto válido.

Um dos problemas mais frequentes em relação a esse visto é a demora no processo por parte das autoridades, devido a trâmites burocráticos e por se tratar de um processo relativamente novo.

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