Canal do Panamá: é preciso buscar alternativas de trânsito?

6% do comércio mundial de mercadorias transita pelo Canal do Panamá./ Retirado do site da Autoridade do Canal do Panamá (ACP).
6% do comércio mundial de mercadorias transita pelo Canal do Panamá./ Retirado do site da Autoridade do Canal do Panamá (ACP).
A China continua interessada em promover novas rotas de trânsito interoceânico na América Central.
Fecha de publicación: 28/08/2023

As alterações climáticas podem ter consequências insuspeitas. Uma delas é que o Canal do Panamá está vendo seu tráfego diminuir em decorrência da menor quantidade de chuvas na bacia hidrográfica que alimenta seus sistemas, o que reduziu em 20% diariamente o número de navios que cruzam a passagem interoceânica por onde transita 6% dos trânsitos comerciais globais.

Em meio aos temores de uma situação que possa se agravar em decorrência dos desequilíbrios climáticos e, embora a obra tenha sido pensada para manter sua operacionalidade por pelo menos mais um século, surgiram algumas alternativas que poderiam ajudar a manter o fluxo do comércio em caso de um colapso, alguns deles em pleno desenvolvimento, como a rede ferroviária que o México está construindo, enquanto outros não passaram de meros esboços, como a construção de um canal na Nicarágua.

“É viável e desejável desenvolver rotas logísticas e de comunicação alternativas para o Canal do Panamá. No entanto, existem desafios importantes que devem ser considerados”, destaca Fernanda Garza, sócia do SMPS Legal e especialista em concorrência e comércio exterior no México, cuja opinião revela que há muitos aspectos a considerar antes de pensar que uma rota alternativa entre o Atlântico e o Pacífico poderia substituir o canal do Panamá.


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O que acontece com o Canal?

Embora seja verdade que o Canal do Panamá não corre o risco de suspender o trânsito de embarcações, também é verdade que houve um impacto devido à diminuição do fluxo de água na bacia hidrográfica que alimenta o sistema, mesmo considerando que, de acordo com o Relatório Anual ACP 2024, a precipitação em 2022 foi 8,5% acima da média histórica.

Inaugurado em 1914 na zona pluvial mais importante do planeta, em seus quase 110 anos o Canal nunca enfrentou problemas de escassez hídrica como agora, pelo fato de o Rio Chagres, principal fonte de água doce para o Canal e para o país, perdeu 20% de sua vazão em consequência da queda nas chuvas devido ao fenômeno El Niño, cujos efeitos vêm se tornando mais prolongados.

Embora em 2016 o Canal já tenha enfrentado problemas para manter os níveis habituais de navegação, 2023 tem sido uma estação de seca anormal, o que obrigou a reduzir o tráfego, e dos cerca de 40 navios que utilizam diariamente a rota interoceânica, há meses esse número caiu para 32 durante, valor que se manterá até setembro de 2024, conforme informou a Autoridade do Canal do Panamá (ACP).

“O Canal do Panamá teve que tomar medidas drásticas para restringir o número dos navios em trânsito durante determinados períodos do ano. Em decorrência do exposto, foram adotadas medidas inovadoras para a conservação dos recursos hídricos e a água utilizada pelas eclusas passou a ser reciclada com o intuito de reduzir o volume que se perde quando é descarregada no oceano", afirmou Júlio Quijano, sócio-gerente da Quijano & Associados.

Para que um navio atravesse os 80 quilômetros que separam o Caribe do Pacífico, ele deve estar elevado 26 metros acima do nível do mar, portanto, cada vez que um navio atravessa o canal, mais de 200 milhões de litros de água doce devem ser derramados no oceano. Ao contrário de outros canais, como o de Suez, na África, o canal do Panamá funciona com água doce e a dessalinização é uma tecnologia que ainda não está em vigor.


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Capacidade de carga estagnada

O problema da escassez de água no Canal também dificulta o cuidado do futuro tráfego rodoviário. Ricaurte Vásquez, administrador do ACP, destacou recentemente que os transportadores de contêineres que entrarão em circulação na próxima década não poderão atravessar o Canal devido ao aumento da sua capacidade de carga, que ultrapassa a tonelagem dos neopanamax, os navios de maior volume que podem atravessar atualmente.

Isso significa que, no médio prazo, aproximadamente 20% dos navios que transportam mercadorias no mundo, ou seja, 47% da carga de contêineres, não poderão circular pelo canal. O restante é representado por navios convencionais cujo porte foi considerado no momento do desenvolvimento das obras de engenharia da rodovia interoceânica.

A solução seria construir um novo conjunto de eclusas, cujo custo, conforme relatado por Vásquez, seria aproximadamente o dobro do investido no terceiro conjunto inaugurado em 2016. Naquela altura, as obras custaram cerca de 5,25 bilhões de dólares, dos quais 3,15 bilhões de dólares foram financiados com o fluxo de caixa do Canal e o restante com contribuições de cinco agências multilaterais.


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Menos recursos

Embora pareça alheia à questão econômica, essa situação terá consequências: conforme confirmado pela própria ACN, a receita deverá ser 200 milhões de dólares inferior à projetada para este ano (4,9 bilhões de dólares), 13,34% acima dos 4,323 bilhões de dólares aportados em 2022.

Recorde-se que o canal é atravessado anualmente por cerca de 14.000 embarcações que, por utilizarem esta rota, cancelam recursos equivalentes a 6,8% do PIB panamenho e aproximadamente 20% das receitas do governo. Segundo cálculos da agência Bloomberg, nas últimas duas décadas o canal contribuiu com mais de 20 bilhões de dólares para a economia panamenha.

Na tentativa de minimizar os efeitos da escassez hídrica, as autoridades do país centro-americano têm realizado ações concretas para amenizar a situação e, além de reaproveitar a água, muitos navios realizam o transbordo de cargas, descarregando parte dos contêineres no porto de entrada do Canal, que são transportados por trem até o porto de saída. Isso reduz a quantidade de água necessária para ativar as eclusas.

Esse tipo de cabotagem não representa um custo superior para as companhias marítimas, uma vez que, ao reduzir o peso do navio, também diminui o valor do pedágio que devem pagar pela viagem e, embora esta atividade complique a operação, é uma solução eficaz para evitar possíveis interrupções no tráfego.

“Este atalho geográfico é essencial para tornar os processos logísticos internacionais mais eficientes e rápidos. O comércio global foi transformado graças a estes tipos de rotas que reduzem consideravelmente os tempos de transferência. Uma hipotética interrupção do tráfego através do Canal teria consequências devastadoras nas cadeias de abastecimento globais e um efeito inflacionário em muitos produtos, encarecendo ainda mais o atual custo de vida”, afirma Quijano, que defende que o Canal não está em risco e que a renda que gera aumenta ano após ano.

Recorda também que uma potencial redução do tráfego de navios seria prejudicial para a saúde econômica do país, uma vez que o impacto econômico do Canal vai além dos rendimentos e do emprego.

“Graças ao Canal, o Panamá tornou-se um importante centro de transporte e logística na região, atraindo muitas empresas multinacionais para se estabelecerem no país, o que contribuiu ainda mais para o crescimento econômico e ajudou a transformar o Panamá na nação mais rica, per capita, da América Latina”, salienta Quijano.


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Alternativa mexicana

Desde a construção do Canal de Suez, em 1869, vários foram os projetos que tentaram abrir uma brecha na América Central, sendo o Panamá o local ideal devido à menor distância interoceânica. Por diversas razões, várias dessas alternativas foram reconsideradas nos últimos tempos, e mesmo uma delas, a construção de uma ferrovia, está em pleno andamento.

Na verdade, o Corredor Interoceânico do Istmo de Tehuantepec (CIIT), um megaprojeto promovido pelo governo mexicano para unir os dois oceanos no istmo que lhe dá nome, inclui uma ferrovia para o transporte de mercadorias entre os portos de Coatzacoalcos (Atlântico) e Salina Cruz (Pacífico), impactando a área com 10 polos de desenvolvimento ao longo de seus 324 quilômetros.

Esta é uma alternativa ao Canal do Panamá? Quijano considera que não necessariamente representa concorrência direta com o Canal, mas reconhece que será altamente benéfico para a infraestrutura da região. Ele acrescenta que o uso de trens não competiria com a economia em grande escala oferecida pelo transporte marítimo. E ele exemplifica: enquanto um navio pode transportar 15 mil contêineres, uma ferrovia pode transportar 2 mil.

Fernanda Garza acredita que poderá se tornar uma alternativa marítima viável ao Canal do ponto de vista de infraestrutura e poderá até se tornar a opção logística mais eficiente da região, mas para ser viável precisa de “segurança jurídica, previsibilidade para os investidores e ter o apoio político para concluí-lo.”

Se todo o projeto for executado para criar uma rota logística que combine transporte marítimo, ferroviário e rodoviário, poderá se tornar um centro logístico multimodal líder no continente e reduziria a dependência exclusiva do Canal do Panamá, oferecendo ao México novas alternativas como destino de nearshoring, fortalecendo a sua posição competitiva para atrair investimentos.

A especialista lista os possíveis benefícios da utilização da ferrovia Tehuantepec como alternativa ao Canal do Panamá:

  • Diversificação das opções de transporte: ao ter uma rota terrestre adicional, a dependência exclusiva do Canal do Panamá seria reduzida.

  • Maior eficiência e capacidade: a ferrovia poderia oferecer capacidade adicional para transporte de carga, especialmente em casos de congestionamento ou limitações no Canal do Panamá. Ao utilizar um corredor multimodal, seria possível aproveitar ao máximo a infraestrutura existente e melhorar a eficiência do transporte de mercadorias.

  • Desenvolvimento regional: a construção de uma infraestrutura de transportes moderna poderia gerar emprego, atrair investimentos e promover a integração das comunidades locais na cadeia logística global.

Além desse projeto, o México iniciou um processo de modernização e construção portuária. Assim, o porto de Veracruz foi significativamente ampliado, a fim de aumentar a capacidade de movimentação e a eficiência logística. Também estão previstos novos ancoradouros, como Tuxpan, também localizado na costa do Golfo do México, que se projeta como um centro logístico de classe mundial.

“Além disso, o México procura melhorar a infraestrutura terrestre para facilitar o transporte de mercadorias de e para os portos. O país busca diversificar suas opções de transporte, melhorar a competitividade e fortalecer seu papel como importante player no comércio internacional”, afirma a advogada da SMPS Legal.


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Outros portos

Na procura de novas formas de penetrar na região e, dado o interesse que desperta nesse país, de melhorar o tráfego para uma zona que continua a ganhar espaço como cliente dos seus produtos, a China tem insistido na possibilidade de financiar a construção de uma nova via de comunicação na América Central.

Em 2013, a China demonstrou interesse em apoiar um projeto do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, que revive um sonho da era colonial: construir uma via que ligue, através do rio San Juan, o Mar do Caribe ao Lago Nicarágua e, a partir daí, com o Pacífico.

Embora o governo de Pequim não aparecesse como construtor e financiador, facilitaria tudo para o bilionário Wang Jing executar o trabalho. Com efeito, a empresa de Jing recebeu, então, uma concessão de 50 anos para os direitos de construção do canal e mais 50 anos para a sua gestão e calculou que a obra custaria cerca de 40 bilhões de dólares.

Abandonado o projeto, recentemente a China demonstrou interesse em aceitar uma proposta do governo hondurenho para a construção de uma ferrovia ligando o Atlântico e o Pacífico, proposta levantada pela Comissão Mista de Comércio e Investimento entre as duas nações, que visa assinar um Acordo de Livre Comércio entre Tegucigalpa e Pequim.

Com um custo de 20 bilhões de dólares, o projeto seria concluído em 15 anos e seria um dos muitos que foram propostos como alternativas ao Canal do Panamá, que inclui também uma iniciativa para unir os portos colombianos de Barranquilla (Caribe) e Urabá (Pacífico) com uma ferrovia de 220 quilômetros ao custo de 7,600 bilhões de dólares, financiamento oferecido pelo Banco de Desenvolvimento da China.

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