Projeto de Lei dá força a acionistas minoritários e aumenta papel fiscalizador da CVM

Há a possibilidade de que os acionistas minoritários possam ajuizar ação civil coletiva de responsabilidade por possíveis danos./Canva.
Há a possibilidade de que os acionistas minoritários possam ajuizar ação civil coletiva de responsabilidade por possíveis danos./Canva.
Mudanças querem evitar que pequenos investidores sejam os mais prejudicados em processos de reestruturação ou fraude fiscal.
Fecha de publicación: 09/08/2023

Uma proposta apresentada pelo Ministério da Fazenda propõe uma inovação que amplia as garantias aos acionistas minoritários no Brasil. O Projeto de Lei (PL) 2.925/2023 quer melhorar a proteção deste tipo de investidor no mercado de capitais, principalmente contra danos causados por atos considerados ilícitos de acionistas controladores e administradores. 

O PL quer alterar a Lei nº 6.385/1976, que trata do mercado de valores mobiliários, e a Lei de Sociedades por Ações, Lei nº 6.404/1976, propondo um sistema de tutela privada de direitos de investidores, transparência e fortalecimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

Com isso, há a possibilidade de que os acionistas minoritários possam ajuizar ação civil coletiva de responsabilidade por possíveis danos decorrentes de infrações à legislação ou à regulamentação dos valores de mercado imobiliário. A partir dessa nova modalidade, um único acionista, desde que comprove deter, quando do prejuízo sofrido, um número mínimo de ações ou de investimento, poderá buscar reparação que beneficie não só a si próprio, mas a toda a classe de acionistas prejudicados, similar ao que acontece nos Estados Unidos. 


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A mudança é importante porque mais brasileiros estão investindo em produtos financeiros e a perspectiva é que essa trajetória de alta continue. O percentual passou de 31% da população, em 2021, para 36% em 2022. Esse novo patamar corresponde a um acréscimo de 8 milhões de brasileiros, totalizando 60 milhões de investidores. Os dados são da Anbima, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. Para 2023, a projeção é de uma nova alta de 5 pontos percentuais. Grande parte dos novos investidores são varejistas e possuem pequena participação, muitas vezes não contando com mecanismos para reaver prejuízos causados por potenciais ilícitos das companhias. 

Atualmente, demandas de ações civis públicas e arbitragens coletivas no Brasil só podem ser iniciadas por entidades como Ministério Público, associações civis ou a CVM. Assim, os acionistas dependem que a iniciativa da ação seja tomada por terceiros, que nem sempre possuem interesses alinhados com os prejudicados, ou precisam se reunir em um grande grupo para, conjuntamente, conseguirem fazer frente aos custos de uma arbitragem e ao poderio econômico de uma companhia aberta. 

“Um aspecto muito positivo no projeto é a existência de um prêmio para o acionista que tomar a medida, a ser pago pelo controlador, em caso de reconhecimento de abuso de poder ou participação no ilícito, sendo uma inovação no sistema de indenização existente hoje no Brasil, se aproximando a legislação brasileira à americana, que prevê em algumas situações prêmio para os whistleblowers que divulguem informações falsas ou fraudes no mercado de capitais”, explica Luiz Antonio Varela Donelli, sócio do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai - DSA Advogados.

O projeto de lei usa o caso da fraude nas Lojas Americanas como justificativa para propor uma reformulação na atual regulação penal do mercado de capitais no Brasil. Caso aprovado, serão criados cinco novos tipos penais: indução a erro, fraude contábil, influência imprópria, falsidade ideológica e administração infiel. Propõe, ainda, que os diretores, gerentes, administradores, executivos, conselheiros, auditores independentes, consultores e analistas de valores mobiliários de companhias abertas passam a ter o dever de agir para evitar o resultado dos crimes nele previstos.

“Isso equivale a dizer que tais pessoas podem ser consideradas, em termos penais, ‘garantes’, podendo responder criminalmente não só por condutas por eles praticadas, mas por omissão em face de não tomar medidas para evitar que outros as pratiquem. A proposta representa grande expansão penal sobre o tema, criando novas responsabilidades para os agentes envolvidos, fomentando o debate sobre a eficiência ou não de providências estritamente sancionatórias para uma regulação eficiente do mercado de capitais", avalia Gustavo Henrique de Souza e Silva, sócio do JASA Advocacia.


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O novo papel da CVM e as arbitragens

Também serão ampliadas as possibilidades de atuação da CVM, tanto judicial, quanto extrajudicialmente, e a readequação de riscos e benefícios para as partes em processos prioritários. As mudanças incluem a prestação de esclarecimentos e o acompanhamento das ações coletivas ajuizadas por acionistas, a possibilidade de modificar percentuais dos legitimados a propor tais demandas, a possibilidade de liquidar e executar as sentenças em determinadas situações e de realizar inspeções e requisições de busca e apreensão. 

Há também no projeto a regulamentação sobre a publicidade dos procedimentos arbitrais, possibilitando que toda a classe de investidores afetados possam acompanhar a discussão e a ela aderir, se assim desejarem. “Hoje, a maioria de discussões dessa natureza é feita em arbitragens sigilosas em razão de previsões estatutárias das companhias, o que faz com que um número extremamente reduzido de investidores possa de fato ser beneficiado por eventual decisão favorável”, analisa Renato Mantoanelli Tescari, advogado, sócio do Condini e Tescari Advogados.

Essas alterações, se o projeto for aprovado, poderão modificar as relações internas nas sociedades, e também entre elas, o Judiciário e os órgãos de regulação.

O projeto quer também eliminar a exoneração automática de administradores na aprovação de contas e reequilibrar incentivos econômicos e riscos para as partes em processos judiciais ou arbitrais.  A intenção, segundo os especialistas ouvidos pela LexLatin, é assegurar o desenvolvimento seguro do mercado de capitais, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais.

Espera-se que a medida contribua para a melhoria da governança corporativa das empresas, com o consequente aumento da confiança dos investidores no mercado de capitais e o estímulo à concessão de crédito fora do sistema bancário, diversificando as fontes de financiamento das empresas.

“O projeto quer garantir que não há impunidade e que os regulamentos e normas são cumpridos no Brasil. O Direito existe para oferecer um grau de estabilidade, uma segurança jurídica que permita tomar decisões hoje com conhecimento das regras e noção sobre possíveis consequências, inclusive riscos. Ampliada essa segurança, tende a haver maior credibilidade e atração para investimentos, reduzindo os custos nas parcerias”, avalia João Loyo de Meira Lins, sócio do Serur Advogados. 

Para o advogado, no entanto, não é apenas a criação ou a modificação de uma lei que surtirá todos esses efeitos. Será necessária uma mobilização conjunta para concretizar a eventual mudança legislativa, no que se incluem as companhias (reforço de governança, compliance etc), mas também a CVM, o Judiciário, as câmaras de arbitragem, entre outras instituições.


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Aumento de investimentos

A proposta em tramitação no Congresso Nacional foi discutida com especialistas e entidades representativas do mercado de capitais, com base em um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado em 2020, que fez um diagnóstico do modelo brasileiro.

Se aprovado o projeto de lei e se for efetivamente colocado em prática pelas instituições envolvidas, de acordo com os especialistas, haverá incentivo ao fluxo de investimentos, principalmente o estrangeiro, especialmente avesso à insegurança jurídica. 

A perspectiva, com isso, é de que as empresas precisem reforçar seus programas de governança corporativa e compliance, com ampliação da transparência e melhora nas relações internas. 

“Um dos conceitos ligados à segurança jurídica é a responsabilização e o enforcement das leis e sanções. As medidas propostas atuam nestes dois prismas, de forma a aumentar a segurança jurídica dos investimentos”, diz Marcos Manoel, sócio coordenador do núcleo de Direito Empresarial do Nelson Wilians Advogados. 

A expectativa é de inibir e coibir casos como o das Lojas Americanas, companhia que declarou publicamente inconsistências contábeis significativas, o que motivou um pedido de recuperação judicial com mais de R$ 40 bilhões em débitos listados. A proposta legislativa prevê novas possibilidades de atuação tanto de debenturistas e acionistas minoritários, quanto da própria CVM, fechando o cerco contra práticas irregulares. A tendência é que sejam viabilizados mais instrumentos para detecção desses atos e posterior responsabilização.


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“Com novo arcabouço de regras e os novos cuidados em nível de governança corporativa e de proteção aos entes do mercado, será maior a captação de recursos e observação de um campo positivo à formalização de negócios, já que investidores terão maior apetite aos investimentos, pois perceberão nova proteção pelas medidas de enforcement. Num cenário macro, o PL 2.925/23 atua como mais um passo no sentido de atração de investimento estrangeiro, já que para determinadas companhias são requisitos indispensáveis para realização de investimentos, o estabelecimento concreto de regras de enforcement e com vias ao full disclousure”, afirma Thais Maria Mastriani Furini Cordero, sócia do Maia & Anjos Advogados.

“Um mercado mais regulado e com adoção de medidas indenizatórias aumenta a atenção nos atos realizados. São concedidos mais instrumentos para fiscalização, mas o aumento da segurança jurídica dos investimentos está relacionado a efetiva fiscalização pelo órgão e aplicação das normas que se pretendem alterar. Na prática, poderemos ter uma CVM mais atuante na fiscalização das companhias abertas e certamente haverá um aumento dos processos administrativos no órgão. Sabendo-se disso, os investidores terão maior segurança em realizar investimentos, visto que saberão que haverá fiscalização rigorosa contra eventuais práticas abusivas dos gestores e controladores”, diz Murilo Muniz Silva, advogado especialista em Direito Societário, do Diamantino Advogados Associados.

“Tudo isso pode servir para os operadores do mercado de capitais terem mais atenção com a origem de papéis e produtos financeiros e se a emissão é feita com base em emissores com práticas solidificadas e confiáveis. Isso tudo contribui para a higidez do sistema de mercado de capitais”, avalia Leandro Amorim Fonseca, sócio da área societária e bancária do Costa Tavares Paes Advogados.

A aprovação do projeto agora em 2023 é uma das prioridades do governo Lula no Congresso Nacional.

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