Como o Cade debateria a Economia Verde em suas decisões?

Possibilidade de que o antitruste analise questões ambientais deve ser levada a sério, indicam especialistas/Pixabay
Possibilidade de que o antitruste analise questões ambientais deve ser levada a sério, indicam especialistas/Pixabay
Preocupação com as consequências ambientais de atos de mercado começa a chamar a atenção de especialistas sobre o tema.
Fecha de publicación: 17/06/2021

O papel principal de um conselho de defesa econômica, como o caso do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) brasileiro, é julgar atos de concentração de mercado dos mais variados setores da economia brasileira, com o objetivo de permitir e garantir a competitividade de negócios no Brasil. Desde o início das discussões sobre o antitruste foi o fator econômico que sempre falou mais alto.

Agora, no entanto, a preocupação com as consequências ambientais destes mesmos atos de mercado começa a chamar a atenção de especialistas sobre o tema. Em locais como a Europa, essa discussão já é real e tangível, mesmo que timidamente, e pode indicar uma tendência mundial no debate entre mercado e natureza. Alguns especialistas vão além: questões relacionadas à sustentabilidade e ao meio ambiente jamais estiveram separadas das questões de liberdade econômica.


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O Cade ainda não mostrou como deve levar questões deste tipo em consideração durante o julgamento de atos de concentração. Em 2017, veio uma pista durante a análise da compra do braço de fertilizantes da Vale pela norte-americana Mosaic, em uma operação de US$ 2,5 bilhões. 

Durante a discussão, a prefeitura de Patrocínio, cidade em Minas Gerais onde a empresa tinha sede, alegou que a operação não poderia ser concluída porque a Vale, naquela cidade, estava com a licença ambiental suspensa. Sem isso, a fábrica não poderia operar na cidade, o que poderia alterar o resultado final da operação de compra.

À época, o Cade optou pelo pragmatismo. Na sua decisão, disse que o julgamento dos conselheiros “se limita aos aspectos concernentes à defesa da concorrência, não fazendo uma análise sob os requisitos para a aprovação da operação com base em critérios como tributário, trabalhista ou ambiental, por exemplo. Assim, eventuais questões relacionadas a Licenciamento Ambiental são analisadas apenas sob a perspectiva da defesa da concorrência e seus impactos no consumidor final.”

Isso tende a mudar, segundo especialistas. O crescente interesse de atores da sociedade com questões ambientais, aliado a um conhecimento maior das empresas sobre a chamada “Economia Verde”, assim como a relação do seu modelo de negócios com o meio ambiente tende a tornar o Cade, no futuro, mais sensível não apenas aos efeitos econômicos de uma operação, mas também atentos ao bem-estar do consumidor.

Vinicius Marques de Carvalho, sócio-fundador da VMCA Advogados, argumenta que esta já é uma demanda real em conselhos semelhantes lá fora. “O exemplo mais marcado é o da União Europeia, que inclusive tem uma proposta de Green Deal”, lembra o advogado. Estas diretrizes apontam apenas duas referências explícitas a acordos que buscam metas de sustentabilidade . Elas estão limitadas a questões ambientais e não incluem outras dimensões de sustentabilidade, como bem-estar animal.

Ex-conselheiro do Cade e sócio do Chinaglia Oliveira Advogados, Olavo Chinaglia também considera os exemplos escassos. O advogado lembrou apenas do caso sul-africano, que leva questões como emprego em consideração durante a análise de atos concorrenciais. A discussão seria incomum até mesmo dentro do âmbito acadêmico, afirmou.

Olavo indica que a confluência entre direito concorrencial e questões ambientais pode esbarrar em obstáculos formais e materiais. “Competência formal é que a atuação do Cade não pode ultrapassar o limite do que seria a esfera de competência dos órgãos incumbidos de proteção ambiental. Então, por exemplo, não caberia - pelo menos não a princípio - exigir qualquer regularização ambiental como condição para aprovar determinado negócio”, exemplificou.

Competência material envolveria o histórico do Conselho que não é avançado sobre a questão. “Não são necessariamente triviais, né? De preservação de reserva florestal ou de destinação de resíduos sólidos ou líquidos... Enfim, são matérias complexas, que demandam um conhecimento específico que nenhuma autoridade concorrencial a priori teria.” 


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Vinicius entende que como essa atuação se dará no futuro será moldado pelo interesse ou desinteresse do governo brasileiro em discutir o tema. “Na Europa, como dito, houve movimento claro do Estado no sentido de fomentar esse tipo de iniciativa, que então esbarrou em eventuais questões concorrenciais”, disse. ”Sem um incentivo mais específico governamental, pode ser que esse debate demore muito mais a aparecer por aqui de forma organizada.”

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