As consequências do discurso de Bolsonaro na Avenida Paulista

Presidente subiu o tom e avançou mais um capítulo em um filme que tem sido constante, o chamado presidencialismo de confrontação/Luciano Teixeira
Presidente subiu o tom e avançou mais um capítulo em um filme que tem sido constante, o chamado presidencialismo de confrontação/Luciano Teixeira
Cientistas políticos analisam as falas do presidente, avaliam momento político brasileiro e a possibilidade de impeachment.
Fecha de publicación: 08/09/2021

O aniversário de 199 anos da independência do Brasil já passou, mas as consequências políticas dessa data devem se estender pelos próximos dias e até semanas. Essa é a avaliação de cientistas políticos ouvidos por LexLatin, ao falar dos desdobramentos do discurso do presidente Jair Bolsonaro durante as manifestações a favor de seu governo em Brasília e na Avenida Paulista. 

“Eu tendo a concordar que o presidente novamente incorreu em crime de responsabilidade ao atacar as instituições e especificamente ministros do Supremo e ao afirmar em alto e bom som que não pretende cumprir determinação judicial. Além de tudo, reforçou as teses da fragilidade das urnas e de colocar em cheque as eleições e sua legitimidade em 2022”, afirma Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 


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Para o especialista, o presidente subiu o tom e avançou mais um capítulo em um filme que tem sido constante, o que o especialista chama de presidencialismo de confrontação. “O resultado, provavelmente, pode vir em duas dimensões. A dimensão jurídica e a dimensão política. Juridicamente, temos que aguardar as ações do STF tentando responder aquilo que foi dito, especialmente na Avenida Paulista. Já existe um processo de investigação do presidente por conta desses ataques constantes às eleições e às instituições democráticas. Vai depender aí do entendimento dos ministros”, avalia. 

Prando explica que a segunda situação, também jurídica, é a possibilidade de uma ação mais contundente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que seria tornar Bolsonaro inelegível. “Por conta, inclusive, de acreditarem que a ação da terça-feira foi um ato político eleitoral antecipado. O presidente ali fez um ato eleitoral e isso nunca se deu na história republicana do Brasil. Esse fato é grave e, por certo, merece atenção da Justiça Eleitoral”, diz.

Rosemary Segurado, professora do Programa de Ciências Sociais da PUC-SP, avalia que o fato de o líder máximo de um país dizer que não vai cumprir as leis é algo que afronta a democracia. “Bolsonaro não cumpre e diz que não vai cumprir. Ele afronta o que já foi decidido pela Câmara dos Deputados: as eleições serão realizadas por urnas eletrônicas, pelo sistema vigente no nosso país, mas ele continua fazendo sua cruzada para deslegitimar o processo eleitoral”, afirma.

Rosemary também analisa a resposta de Luiz Fux, atual presidente do STF. “Mesmo que Fux tenha falado também em um tom acima do que ele fala, ainda é muito tímido. A ameaça já constitui uma quebra constitucional. Na verdade, seria a PGR que deveria abrir uma investigação, mas acho que o Supremo tem que cobrar, tem que se colocar como um poder que pertence à Constituição”, diz. 

Impeachment

A fala de Bolsonaro atacando outros poderes aumenta a possibilidade de impeachment, segundo os especialistas. O chamado Centrão, seu principal aliado político no Congresso Nacional, discute a possibilidade de desembarcar do governo e colocar em ação um dos 136 processos protocolados na Casa que pedem a destituição de Bolsonaro.

“O tema retorna ao debate com o apoio de legendas como o PSDB, DEM, PSD, Cidadania, Solidariedade e MDB. Juntando os parlamentares desse grupo a integrantes de outros partidos, em tese, haveria número suficiente para a abertura do processo de afastamento de Bolsonaro. Seria a grande chance da chamada terceira via”, explica o cientista político André César.

“Os petistas e seus aliados, por sua vez, não desejam o impeachment. Para Lula será fundamental a manutenção de Bolsonaro no jogo, dado que o titular do Planalto seria um adversário frágil no pleito do próximo ano.o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, enfrenta um dilema: apoiar o afastamento de Bolsonaro e juntar-se de vez à terceira via ou deixar a bola rolar e aliar-se a Lula, com quem inclusive já trabalhou”, analisa.


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Para ele, uma última implicação do impeachment diz respeito ao vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB). “Seria no mínimo inusitado o fato de se ter um general, mesmo que da reserva, alçado ao posto de “fiador” da democracia. Além disso, não se conhecem as reais intenções de Mourão, que tem sido uma esfinge ao longo do governo Bolsonaro”, diz.

Uma alternativa a Mourão, defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), ainda que de forma reservada, seria a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão via Tribunal Superior Eleitoral. Nesse caso, o Congresso conduziria uma eleição indireta para escolha de um nome para um mandato tampão.

Para Rodrigo Prando, aquilo que o Kassab e Mourão fizerem merece muita atenção. “Primeiro, é o quão disposto está para embarcar nessa história o vice-presidente Hamilton Mourão. Uma coisa é ter o Bolsonaro enfraquecido, chegando em 2022 enfraquecido. A outra é colocar o Mourão, que pode ter capacidade intelectual e organizacional de retomar ou reconstruir o discurso dos valores bolsonaristas e com capacidade de implementar. Isso assusta a classe política”, afirma.

Por outro lado, segundo o cientista político, tem a figura de Arthur Lira, o presidente da Câmara, e a possibilidade de ver o quanto ele estaria disposto a um processo de impeachment. “Cassar a chapa Bolsonaro/Mourão de um processo que está adiantado no Tribunal Superior Eleitoral levaria Arthur Lira à condição de sucessor do presidente e do vice. Na vacância dos dois, quem assumiria seria ele. Temos que esperar, porque o político está nos bastidores sendo muito demandado e articulando”.

Discurso de Bolsonaro

Na última terça-feira (7), em discurso em plena Avenida Paulista para mais de 125 mil pessoas, o presidente Jair Bolsonaro atacou os outros poderes e não poupou o Judiciário, numa espécie de tudo ou nada com foco nas eleições do ano que vem. 

"Nós não mais aceitaremos que qualquer autoridade usando a força do poder passe por cima da nossa Constituição. Não mais aceitaremos qualquer medida, qualquer ação ou qualquer certeza que venha de fora das quatro linhas da Constituição. Nós também não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos três poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil. Ou o chefe desse poder enquadra o seu, ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos. Nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada poder da República", afirmou Bolsonaro. 


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No discurso, o presidente critica claramente o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem proferido decisões que têm atingido aliados políticos e influenciadores digitais. Ele também fez críticas diretas a seu principal opositor na Corte. "Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais", disse.

Para Rosemary Segurado, o discurso do presidente está completamente descolado da realidade do país. “Eu gostaria de chamar a atenção que o que vimos na Avenida Paulista é quase inominável de tão golpista que é. Não tem nenhuma pauta, nenhuma agenda que diga respeito ao mundo real. Qual é a realidade? Quase 15% de desemprego, aumento da miserabilidade e da pobreza, o Brasil voltando ao mapa da fome, gasolina a 7 reais, inflação que volta, real que desvaloriza e o presidente está falando de urna eletrônica. Não é o mundo real. Nós estamos vivendo um momento de pobreza aguda, fora a pandemia. É como se ele estivesse governando na Noruega”, afirma.

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