Ômicron avança em meio a ataques de Bolsonaro à Anvisa e apagão de dados sobre Covid

País sofre com alta de casos - que ninguém sabe ao certo quantos são/Hospital Clínic via Flickr
País sofre com alta de casos - que ninguém sabe ao certo quantos são/Hospital Clínic via Flickr
Ataque hacker em dezembro ainda traz sequelas graves ao comando da pandemia
Fecha de publicación: 10/01/2022

Pode ter acontecido com você ou, ainda mais provável, com pessoas do seu círculo de amizades ou do trabalho: o primeiro réveillon após a vacina contra Covid-19, o segundo durante a pandemia da doença, parecia ter indícios de retorno à normalidade. Logo nos primeiros dias do ano, no entanto, os sintomas apareceram - em muita, muita gente. O avanço da variante ômicron da doença, considerado mais transmissível que os anteriores, causou um pico instantâneo de novos casos da doença - que ninguém sabe ao certo quantos são.

O apagão de dados completou um mês nesta segunda-feira (10) e coincidiu com uma nova rodada de ataques do presidente Jair Bolsonaro às vacinas e contra a Anvisa (a Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que no mês passado liberou a imunização de crianças de cinco a onze anos. 


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Desta vez, no entanto, após Bolsonaro questionar qual o interesse dos reguladores em vacinas, a agência deu uma resposta pública ao caso. O presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, cobrou que o presidente revisse seus ataques contra a agência reguladora e seus trabalhos. Barra Torres - que foi contra-almirante da Marinha -levou o ataque de Bolsonaro para o pessoal, e cobrou uma retratação pública do presidente.

“Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro”, disse Barra Torres, referindo-se a si próprio, “não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa, aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar”. 

“Agora, se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”. A declaração, dada na noite de sábado (8), aumentou a cizânia entre o capitão do Exército e o presidente da Anvisa - que, por possuir mandato de cinco anos, não pode ser demitido por Bolsonaro.

A discussão pública manda outros sinais distintos - entre eles o de uma rusga pessoal entre os dois. Mas também é possível inferir que a mensagem indica que autoridades estão buscando se descolar do atual governo, visando o futuro. 

“O que a gente pode vislumbrar - e isso é uma hipótese - é que tenhamos um possível afastamento de indivíduos em posições de autonomia do presidente”, indicou Creomar de Souza, fundador da Dharma Political Risk and Strategy. “À medida que eles percebam que os presidente esteja em rumo de derrota, podem se reforçar posicionamentos de afastamento”. Caso isso se confirme, apontou Creomar, a postura destes agentes deverá ser a de quem seguiu ordens, mas que não aceita mais este entendimento.

Vale lembrar que Barra Torres foi, no início da pandemia, a eventos públicos com Jair Bolsonaro, que encontrava seus apoiadores sem máscara. Enquanto o presidente buscava desgastar o seu então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Barra Torres era apresentado como a “voz da ciência” ao lado do governante. 

A distância entre ambos aumentou à medida que a pandemia deu sinais de piora - e virou uma inimizade pública após o depoimento de Barra Torres à CPI da Covid. Mostrando a Anvisa como uma agência de Estado e pronta para defender a ciência, o contra-almirante tracejou uma linha no chão - linha esta que Bolsonaro e sua base continuam a atacar.

Os embates do presidente com a agência devem continuar, projeta Creomar, porque ela se tornou um alvo de um presidente, ex-deputado por 28 anos, que ainda busca se apresentar como “um homem contra o sistema”. “E o sistema, no fim das contas, representa também a burocracia, a tecnocracia, as estrutura de estado, os dados e todos os elementos que são importantes para fazer um escrutínio da capacidade do governo em governar”, apontou o cientista político. “E quanto menos capacidade de escrutínio, para um perfil como o do Bolsonaro neste exato momento, melhor.” 


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Blecaute de dados continua

Enquanto Bolsonaro e Barra Torres elevam o tom nas críticas, o Brasil segue sem saber ao certo o estrago que a pandemia faz em sua população. O Ministério da Saúde, que deveria compilar e zelar pelos dados, está há um mês com suas bases de dados afetadas.
 
Na última sexta-feira, dia 7, a pasta registrou 181 novos  óbitos, e 63.292 novos casos da doença no Brasil. Especialistas apontam, no entanto, que estes números podem estar altamente defasados ainda como consequência de um ataque hacker sofrido pelo órgão, em dezembro do ano passado. 

O ataque, até o momento sem a identificação do autor, tirou do ar o DATASUS, que registra as vacinas tomadas por cada brasileiro - e serve, de uma maneira eletrônica, como o passaporte vacinal. O sistema voltou ao ar parcialmente, mas a parte crítica - a que coleta dados de casos em todo o país - permanecerá com instabilidade até pelo menos o dia 15.

Mesmo dentro da pasta, a situação é difícil. LexLatin conversou com uma servidora do Ministério da Saúde, em condição de anonimato. Ela nos conta que, desde o ataque hacker do mês passado, ela precisa operar sem acesso ao email institucional. Nesta semana, horas antes do ministro Marcelo Queiroga anunciar regras de vacinação para crianças, o perfil do Ministério no YouTube foi invadido, e uma transmissão foi iniciada sem a anuência do Ministério.

Os números da Universidade de Washington apontam que o país pode ter até 1,3 milhão de casos por dia em duas semanas. O número bateria qualquer recorde de infecção já registrado - mas deve pressionar menos os hospitais: a expectativa é que se necessite de oito mil vagas de UTI, antes as mais de 45 mil necessárias no pico da pandemia.

Apesar do avanço inequívoco da doença - que, junto com uma epidemia de gripe, voltou a lotar hospitais e gerou pressão por testagem - os órgãos públicos de Brasília parecem um tanto alheios a esta questão. O Congresso, de recesso, só deve voltar aos trabalhos em fevereiro, mas já de olho nas eleições de outubro.

No Senado Federal, onde dois senadores indicaram estar com a doença na última semana, ainda estão abertas inscrições para o “Programa Jovem Senador”, que pretende reunir estudantes de todo o Brasil. No prédio do Congresso Nacional ainda é possível fazer visitas turísticas guiadas - que foram retomadas há pouco tempo, em um momento de “baixa” nos casos e óbitos.

Outro poder em recesso é o Judiciário - que retomou parte de suas atividades presenciais no final do ano passado. Nenhuma decisão de peso foi tomada pela corte neste início de ano em relação à pandemia - o ministro Ricardo Lewandowski apenas arquivou um pedido para forçar a vacinação em crianças, já que o Ministério da Saúde se prontificou a tal.

Até o momento, tanto o STF (Supremo Tribunal Federal) quanto o STJ (Superior Tribunal de Justiça) não indicaram mudanças no seu funcionamento. O presidente do STJ, Humberto Martins, inclusive testou positivo para Covid-19 no início deste ano, mas já foi liberado para voltar ao trabalho.

LexLatin questionou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) se ela estaria aconselhando o poder público federal a alterar seu funcionamento e atendimento ao público com a variante da Covid. A agência negou ser esse seu papel, e indicou que isto caberia ao Ministério da Saúde. Até o momento, a pasta não indicou qualquer movimento neste sentido.

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