Especialistas discutem se o PL 2.370/19 restringe ou não determinados direitos do cidadão

Projeto estabelece regras para a publicação na internet, sem autorização, de obras audiovisuais protegidas por direitos autorais./Canva
Projeto estabelece regras para a publicação na internet, sem autorização, de obras audiovisuais protegidas por direitos autorais./Canva
O PL contempla a remuneração dos direitos dos músicos que se apresentam em plataformas de streaming e a proteção de obras de cunho religioso, além da discussão sobre a remuneração dos autores pela utilização de suas obras na internet, por isso, especialistas pedem que sua discussão seja realizada “com equilíbrio e atenção”.
Fecha de publicación: 13/09/2023

As Comissões de Cultura, Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Finanças e Tributação, e Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados do Brasil discutiram o Projeto de Lei nº 2.370/19 que, em março deste ano, o Plenário da Câmara passou para as mãos do Relator da Comissão de Comunicação (CCOM) para sua aprovação e que deveria ter sido votado em meados de agosto, em votação que foi adiada por falta de acordo entre os deputados federais.

 

Este projeto, que nasceu do Projeto de Lei 2.630/20, também conhecido como PL das Fake News, mas foi desmembrado por se referir a remuneração, estabelece regras para a publicação na Internet, sem autorização, de obras audiovisuais protegidas por direitos autorais e pela remuneração que as empresas de tecnologia pagarão aos meios de comunicação. Entretanto, antes de ser aprovado, deverá superar certas armadilhas e críticas, além da contribuição que os proprietários de mídia e artistas podem dar. Para isso, o deputado Elmar Nascimento, relator do projeto, reuniu-se no final de agosto com criadores e empresários.

 

Uma das vozes contrárias é a da Coalizão Direitos na Rede (CDR), que garante que o PL nº 2.370/2019 renova o debate sobre a reforma da Lei de Direitos Autorais, também tratada pelo Projeto de Lei nº 2.630/2020, que retirou disposições importantes que a proposta original incluía, como obras órfãs (aquelas cuja propriedade não é identificada ou cujos proprietários não as exploram) e limitações e exceções aos direitos autorais para pesquisa ou preservação do patrimônio cultural, que, na opinião da CDR, não devem ser eliminados para se conseguir uma reforma da Lei de Direitos Autorais que possa ser considerada “minimamente razoável”.

 

Para a CDR, a minuta do PL traz desafios adicionais, como a remuneração dos direitos dos músicos que se apresentam em plataformas de streaming e a proteção de obras de cunho religioso, além da discussão sobre a remuneração dos autores pela utilização de suas obras na Internet, por isso pede que a sua discussão seja realizada “com equilíbrio e atenção”, para proteger os direitos dos utilizadores, criadores e titulares de direitos.

 

A Coalizão pede para “não inviabilizar a troca comum de conteúdos na Internet nem transformá-la num negócio restrito a atores com determinada capacidade econômica, aproximando o ambiente digital dos modelos tradicionais da indústria do cinema e da música”, bem como reconhecer e proteger limitações e exceções legítimas aos direitos autorais que favorecem o acesso ao conhecimento e salvaguardam os direitos humanos, como a liberdade de expressão.


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Um projeto com capacidade de gerar incerteza

 

A preocupação com a proteção do direito à liberdade de expressão e ao acesso à informação é compartilhada pela Câmara Brasileira de Economia Digital (camara-e.net), que garante que o sistema de arrecadação incluído no PL 2.370/19 traz insegurança jurídica e não resolve inconsistências na estrutura autoral do Brasil, pois vai muito além do original que focava na reforma da Lei de Direitos Autorais, abrangendo questões do antigo PL 2.630/2020, como publicidade digital e remuneração de veículos jornalísticos, que não têm relação com direitos autorais.

 

Nas palavras de seu presidente, Leonardo Palhares, a camara-e.net entende que o texto atual gera essa insegurança porque não considera a real dinâmica do ecossistema digital e é confuso. Além disso, baseia-se no fato de não ter havido um debate amplo e democrático sobre o que é proposto e os seus impactos no ecossistema digital. Também “não há clareza sobre o tipo de conteúdo que seria sujeito a remuneração, e a redação, tal como está, cria o risco de remunerar quase todos os conteúdos gerados por terceiros dentro da plataforma, acabando com o modelo gratuito que hoje existe”.

 

Se o documento for aprovado na forma como está, “criaria uma espécie de ‘imposto’ sobre a troca de links e sobre qualquer conteúdo compartilhado pelos usuários, destinando esses recursos principalmente a grandes e já consolidados grupos jornalísticos e artísticos”, afirma o advogado, o que comprometeria a Internet aberta e o modelo livre das plataformas digitais, prejudicando as empresas, principalmente as de pequeno porte, que utilizam as redes como ferramenta para impulsionar seus negócios, e os usuários que costumam compartilhar conteúdos de forma gratuita.

 

Para a Câmara, diz seu presidente, não é importante apenas considerar experiências em normas internacionais negativas e discutir soluções que respondam aos anseios de captação de recursos de setores como o artístico e jornalístico, mas sem esquecer que essas medidas não devem agir em detrimento dos consumidores e dos princípios fundamentais que sustentam o mundo aberto e inclusivo.

 

Embora Palhares expresse preocupações em comum com a CDR, outros especialistas discordam, como é o caso de Mariana Zonenschein, especialista em direito empresarial e propriedade intelectual e fundadora do Asseff Zonenschein Advogados, que afirma que o PL prevê o pagamento de direitos autorais para conteúdos audiovisuais publicados na Internet, define regras relativas à publicidade digital e garante a remuneração que as plataformas digitais pagarão à imprensa, incorporando medidas que nem a Lei de Direitos Autorais (LDA n° 9.610/1998) nem o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) possuem. A aprovação desse projeto permitirá rastrear e punir de forma mais eficaz sites e pessoas que disponibilizam conteúdos protegidos sem autorização, o que reduzirá a pirataria, sublinha.


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“A verdade é que, com o avanço da tecnologia, surgiram novas formas de produção e distribuição de conteúdo, o que exige uma legislação mais adequada e atualizada. Assim, o PL inclui os conceitos de provedor, redes sociais e provedores de conteúdo sob demanda, estabelece como coautores da obra audiovisual o autor do tema ou argumento literário, musical ou literário-musical, o roteirista e o diretor, e reconhece expressamente que a disponibilização ao público pelos fornecedores de obras e fonogramas também constitui representação  e interpretação públicas, independentemente dos outros tipos de utilização envolvidos", explica, uma vez que "as alterações propostas reforçarão o combate à pirataria, que é um dos principais problemas enfrentados pelos detentores de direitos autorais”.

Zonenschein acredita que o PL nº 2.370/2019 incentivará a produção cultural e artística porque os criadores “se sentirão mais seguros ao investir em suas obras, sabendo que seus direitos serão protegidos e que serão devidamente remunerados pelo seu trabalho”.

 

Quando questionada se a aprovação do projeto sem alterações no texto atual permite a existência de alguma forma de proteger os princípios fundamentais da liberdade online sem prejudicar os consumidores e os criadores, como preveem o CDR e a camara-e.net de que não haverá modificação, a advogada lembra que o princípio da liberdade de informação não pode anular direitos autorais existentes e que, caso o PL não avance, equivaleria a continuar autorizando criações intelectuais protegidas pela Constituição a continuarem sendo exploradas sem qualquer contrapartida.

“Entendo que, pelo contrário, os criadores e os consumidores estarão protegidos”, afirma, em princípio porque o pagamento será recebido quando as obras forem reproduzidas por terceiros e porque haverá mais segurança “e garantia de que a informação é real e de fontes confiáveis, evitando a proliferação de notícias falsas.”

Entretanto, a camara-e.net promove um diálogo que incorpora todos os setores interessados, incluindo meios de comunicação, artistas, especialistas, sociedade civil e serviços digitais, como redes sociais e streaming. “A colaboração entre esses atores é essencial para encontrar soluções que garantam a sustentabilidade e o bom funcionamento dos negócios baseados no ambiente digital” uma vez que discutem os riscos e impactos associados à aprovação do projeto, afirma Palhares, que assegura que a responsabilidade da Câmara é para “garantir que qualquer decisão tomada reflita os valores da igualdade de acesso à informação e da preservação da vitalidade do ambiente digital.”


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O que inclui o PL nº 2.370/2019?

 

Em linhas gerais, a regulamentação atualiza a LDA nº 9.610/1998, modificando 47 de seus artigos e acrescentando 30. Propõe que o titular dos direitos sobre a obra possa exigir direta e extrajudicialmente que qualquer provedor de internet que viole seus direitos elimine o conteúdo divulgado sem a sua autorização ou pagamento de taxa, desde que o provedor opere com fins lucrativos. A lei também inclui um artigo que responsabiliza os provedores de internet caso não respondam à notificação ou não removam a obra. Da mesma forma, os provedores serão obrigados a oferecer pelo menos um canal eletrônico para recebimento de notificações, identificando a obra divulgada sem autorização para ajudar a localizar o material e relatar o número de acessos à obra, usando ferramentas de medição para pagar de forma justa ao detentor dos direitos.

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