E-vtol: o que diz a legislação sobre a nova modalidade de transporte?

O EVE-100 já está em processo de certificação junto à ANAC/Divulgação
O EVE-100 já está em processo de certificação junto à ANAC/Divulgação
Nova tecnologia deve chegar ao mercado em 4 anos, mas antes é preciso adaptar a legislação do espaço aéreo nas cidades. 
Fecha de publicación: 08/08/2022

Parece uma tecnologia de filme futurista, mas é uma realidade que está batendo à porta. Em breve, as cidades em todo mundo - além de aviões, helicópteros e drones - passarão a ter no horizonte os chamados carros voadores, veículos elétricos de decolagem e pouso vertical, ou e-VTOLS como foram batizados. E um modelo em especial será produzido por uma fabricante nacional, a Embraer, ou o braço tecnológico da companhia, a Eve. A promessa é de que os primeiros sejam entregues para operação em 4 anos, a partir de 2026, o que coloca o Brasil como um dos protagonistas desse processo. 

A princípio, eles terão cinco lugares: quatro passageiros e um para o piloto, uma exigência no começo das operações. A legislação brasileira determina que haja um piloto no veículo ou pelo menos alguém no chão supervisionando cada deslocamento. Depois, com a adaptação dos usuários e também das normas nacionais, o serviço promete ser autônomo. A partir daí o céu é o limite para essa tecnologia que deve mudar não só nosso entendimento de mobilidade como a geografia das cidades ao redor do mundo. 


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A intenção da Eve é ter receita de R$ 5 bilhões (US$ 1 bilhão) um ano depois do lançamento, em 2027,e uma expectativa de que esse valor suba para R$ 23 bilhões (US$ 4,5 bilhões) já em 2030, o que mostra que a subsidiária da Embraer acredita no desenvolvimento rápido e de novas encomendas do carro voador em todo o mundo. A previsão é de que o valor cada eVTOL seja de R$ 15 milhões (US$ 3 milhões) no lançamento. Em maio, a Eve realizou um IPO, a abertura de capital na Bolsa de Nova York. Mas desde então a companhia teve uma desvalorização de 20% no valor de seus papéis. 

"Nossas soluções foram pensadas considerando necessidades essenciais do mercado, como acessibilidade, segurança, sustentabilidade e preço da passagem" afirmou em comunicado Flavia Ciaccia, vice-presidente de experiência do usuário da Eve.

Simulação

Também em maio a Eve elaborou o plano para uso do carro voador no Rio de Janeiro, quando foram realizados uma série de voos experimentais voltados para avaliação de novas tecnologias de sistemas autônomos em condições reais de voo. Foram utilizados helicópteros nas simulações. 

“Este projeto nos permitiu avaliar tecnologias em tempo real e também coletar informações que posteriormente serão usadas em simulações,” disse Julio Bolzani, head de sistemas autônomos da Embraer. “Importante notar que não estamos nos movendo diretamente para uma operação completamente autônoma. Assim que a Eve iniciar seus voos, pilotos estarão a bordo e se beneficiarão da aplicação dessas tecnologias através de uma operação segura e simplificada do veículo até que a certificação completa de um sistema de voo autônomo para Mobilidade Aérea Urbana seja alcançada.”  

“Toda informação e dados levantados neste projeto, bem como as soluções técnicas em desenvolvimento, vão apontar os caminhos para o voo completamente autônomo dos eVTOLs no futuro,” disse Andre Stein, co-CEO da Eve. 

Em julho a empresa divulgou imagens da cabine e uma parte do modelo foi exposto na feira de aviação Farnborough Airshow, na Inglaterra (foto).

Mas para que esse plano de mobilidade vire realidade até 2026 será preciso uma série de adaptações na legislação brasileira, que neste momento não inclui esses veículos elétricos nas normas vigentes. Segundo advogados especializados no setor de aviação ouvidos por LexLatin, o eVTOL da Eve vai enfrentar o mesmo processo de regulação das aeronaves VTOL (Vertical Trade Off and Landing) já conhecidas e que implica em diversas certificações do desempenho e da segurança dos componentes das aeronaves e de suas condições de operação e que culminam com a homologação final das autoridades de cada jurisdição. 

Na Europa essa homologação final fica por conta da EASA (Agência de Segurança da Aviação da União Européia) e nos Estados Unidos é a FAA (Administração Federal da Aviação). No Brasil esse assunto é competência da ANAC, a Agência Nacional de Aviação Civil. 

“Além da certificação operacional das aeronaves, elétricas ou não, o eVTOL vai estabelecer um novo panorama para o controle do tráfego aéreo urbano e de curtas distâncias. Esse novo tráfego também predica uma atualização da regulação e das ferramentas tecnológicas até hoje utilizadas para o monitoramento do tráfego aéreo”, avalia Eduardo Ramires, sócio-fundador do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

O EVE-100 já está em processo de certificação junto à ANAC, desde fevereiro. Outros fabricantes também já submeteram à Agência seus pedidos de certificação. “Toda aeronave em desenvolvimento exige adaptações dos protocolos de certificação e novos métodos de avaliação do desempenho dos equipamentos incorporados. Essa certificação é um processo em constante evolução em que o emprego de novas tecnologias desafia os certificadores a desenhar as formas de avaliar os aspectos críticos do desempenho da nova aeronave”, diz Ramires.

Para o especialista, os desafios operacionais da difusão da oferta de transporte com base nos e-VTOL serão grandes no mundo todo. Não apenas a regulação e o controle de tráfego serão testados, mas as condições de operação serão desafiadoras. “Os grandes marcos regulatórios da navegação aérea fornecerão os princípios fundamentais, mas as condições a serem enfrentadas com volumes inauditos de tráfego em certas rotas e localidades exigirá o aprimoramento de todos os elementos: do monitoramento e controle de tráfego à disciplina dos operadores e usuários”, explica.

Uma discussão importante dentro da questão regulatória, segundo os especialistas, é o conceito de operações, o chamado Conops, um documento que descreve as características de um sistema proposto do ponto de vista da pessoa que irá usar aquele sistema. De acordo com Roberta Andreoli, advogada especializada em direito aeronáutico, o ambiente regulatório brasileiro já está sendo atualizado em debates realizados pelo próprio Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) via estudos internos e Conops.

Mas será preciso atualizar uma série de legislações que têm relação com a atividade e operações aeronáuticas. “Pode começar pelo CBA, que é o Código Brasileiro de Aeronáutica, uma regulamentação de 1986. Ele já vem sendo atualizado de tempos em tempos. A última aconteceu no começo do ano. Há ainda a medida provisória que foi convertida em lei, a MP do Voo Simples, mas não falou nada de eVTOL”, analisa. 

Ela explica que há uma série de regulamentações administrativas que vão ter de se adaptar à norma da Anac. “Basicamente, eles vão ter que ajustar o processo de certificação da aeronave, porque hoje eles fazem avião, que a gente chama de asa fixa, helicóptero que a gente chama de asa rotativa e drone. Você constrói uma aeronave e tem que aprovar esse projeto. A Eve já deu entrada nesse processo de certificação e fez o protocolo. Mas provavelmente terão várias fases pedindo o que é feito na aviação tradicional para atender as especificidades dos projetos do eVTOL em grande escala”, diz. 

Outra questão que vai precisar de certificação são as novas tecnologias que garantem a sustentabilidade da operação, como baixa emissão de carbono e segurança de voo. “Não é só a questão de produzir uma aeronave diferente, que faz um pouso e decolagem vertical e não tem o piloto lá dentro. A aeronave é produzida com materiais modernos e também isso tudo tem que ser analisado pela Anac”, afirma Andreoli.


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Outra discussão importante é a adaptação da regulamentação do Decea, que tem que criar um sistema de gerenciamento do tráfego aéreo urbano (UATM, sigla em inglês) onde o eVTOL vai estar inserido. “É preciso analisar como vai impactar a estrutura aeroportuária, porque o eVTOL só vai poder descer em alguns lugares, porque a aeronave é elétrica. Então será preciso recarregar a bateria, por exemplo”. 

A favor das autoridades regulatórias está o know how desenvolvido pela introdução dos drones na legislação, quando vários técnicos fizeram uma discussão do modelo a ser adotado. Esse esforço será parecido com a chegada dos carros voadores ao espaço aéreo brasileiro, algo que terá que ser definido nos próximos 4 anos para que as operações comecem dentro do cronograma da Embraer, uma das empresas que está trazendo essa inovação para o mercado de transporte de passageiros. “Isso é um ponto muito positivo que eu vejo no direito brasileiro. Isso já aconteceu com o drone e estamos vendo seguir o mesmo rumo com o eVTOL”, explica Andreoli. 

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