As questões legais e as polêmicas envolvendo o PL das fake news

Proposta é vista com reserva e poderia representar retrocessos aos avanços feitos contra desinformação/George Gianni
Proposta é vista com reserva e poderia representar retrocessos aos avanços feitos contra desinformação/George Gianni
Proposta pode trazer avanços no combate à desinformação, mas é criticada por Google e Facebook.
Fecha de publicación: 05/04/2022

O PL 2630, que trata do combate à desinformação em plataformas virtuais, começará a ser votado na Câmara nesta quarta-feira, pelo plenário da Casa. O texto, que já passou pelo Senado, tem sofrido alterações recentes, com a ação de grupos de trabalho voltados ao tema. Na semana passada, o deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), relator da proposta, apresentou um novo texto, que ainda é alvo de críticas.

Na versão mais recente, um dos pontos que mais chamou a atenção foi um aceno do relator do texto à própria classe política: o deputado passou a sugerir que, a partir de agora, a imunidade parlamentar material estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais. Com isso, o direito à liberdade de expressão dos parlamentares não poderia ser contido por regras mais rígidas de contenção à desinformação.

Em uma entrevista coletiva sobre o tema, Orlando ressaltou que o texto, no entanto, não protege nem crimes, nem criminosos. Para tanto, o deputado citou o caso do seu companheiro de parlamento Daniel Silveira, que é réu no STF (Supremo Tribunal Federal), acusado de ameaçar ministros da suprema corte em redes sociais.

“O poder Judiciário vai decidir o caso de Daniel Silveira em função de crimes cometidos e tipificados na legislação que versa sobre o Estado Democrático de Direito - à época a Lei de Segurança Nacional”, resumiu Orlando. “A imunidade parlamentar material não servirá para proteger nem crime nem criminoso”. 


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A proposta entraria em choque com uma ação cada vez mais consolidada de autoridades policiais e judiciais em combater as fake news no Brasil. Nos últimos anos, parlamentares como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) já tiveram publicações restritas e mesmo retiradas do ar em redes sociais. 

Em fevereiro, o Twitter bloqueou o acesso do parlamentar –supostamente por engano– e em março uma juíza obrigou que a empresa removesse um post considerado sexista do parlamentar. Em ambos os casos, a imunidade parlamentar poderia ter agido.

Caso mais limítrofe aconteceu com o deputado federal pelo Paraná Fernando Francischini, que teve seu mandato cassado por propagar mentiras a respeito das urnas eletrônicas no dia da eleição de 2018. O parlamentar, que não chegou a se reeleger para o atual mandato, agora está inelegível por oito anos, no primeiro caso de afastamento do cargo por disparo de notícias falsas. A imunidade parlamentar nas redes sociais poderia dar outro fim ao tema.

O texto fala exclusivamente em uma exceção aos parlamentares – o que retiraria o presidente da República da isenção. Hoje, Jair Bolsonaro é um dos mais habilidosos articuladores políticos nas redes sociais, se valendo de um alto uso de fake news. 

O presidente é investigado pela Polícia Federal por conta de uma live onde associou, sem nenhuma prova, a vacina da Covid-19 ao aumento nos casos de contaminação pelo vírus HIV. Contra ele, a lei poderia continuar agindo.


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A proposta é apontada como um retrocesso pelo professor e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Elder Goltzman. “O Supremo Tribunal Federal separar as expressões feitas fora e dentro do Congresso”, explica. “Via de regra, as expressões feitas dentro do Congresso têm imunidade absoluta e as fora, relativa. Relativa porque para serem imunes precisam  estar relacionadas com as funções parlamentares.”

Para Elder, o dispositivo colocado gera dúvidas sobre sua constitucionalidade. Em uma análise retrospectiva, o advogado entende que, se esse dispositivo existisse, os avanços no combate às fake news teriam sido menores, “não só pela dificuldade que as autoridades públicas encontrariam, mas também pela moderação de conteúdo feita pelas próprias plataformas”. Manifestações que já foram neutralizadas teriam sido bloqueadas pela nova lei, de acordo com Elder.

“É mais um retrocesso do que um avanço”, adiciona Samara Castro, advogada do Observatório de Eleições da OAB-RJ. “A imunidade parlamentar é um requisito essencial para qualquer democracia. Só com parlamentares livres, podendo opinar e se expressar de forma livre e protegida, que temos uma democracia consolidada.”

No entanto, a liberdade parlamentar precisa ser limitada nas liberdades dos outros. “É um texto que inclusive compromete todo o PL 2630”, diz Samara, que enxerga danos estruturais a todo o esforço da proposta. “A forma como ele está esta extensão da imunidade nas redes sociais, desconsidera os limites que existem no mundo off-line. Precisaria se remodelar o texto para que dele saísse algo positivo.”

Outros descontentes

O texto traz outras reclamações – desta vez, as próprias redes sociais: Google e a Meta (empresa que coordena o Facebook, Instagram e Whatsapp) apresentaram objeções a outros pontos do texto, que tratam diretamente da necessidade de transparência das plataformas, assim como a obrigação de remuneração aos veículos de imprensa que aparecem em seus ecossistemas.

“Cmo se apresenta atualmente, o Projeto de Lei 2630/2020, que ficou conhecido como ‘PL das Fake News’, pode acabar promovendo mais notícias falsas no Brasil, e não menos. O texto também resultaria em uma péssima experiência para os brasileiros buscando informações em mecanismos de pesquisa na internet”, escreveu o presidente da Google no Brasil, Fábio Coelho, em uma carta aberta. “É importante que haja um debate mais amplo, profundo e baseado em fatos sobre as melhores maneiras de atingir este objetivo.” 

“[O] PL das Fake News, passou a representar uma potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje e que transforma a vida dos brasileiros todos os dias”, escreveu o Facebook, em carta que assinou com outras big techs e que foi veiculada em jornais de grande circulação. 

As empresas partem então para um exemplo prático: “Milhões de pequenos e médios negócios, como a padaria ou a pizzaria de bairro, não poderão mais anunciar seus produtos com eficiência e a custo baixo na Internet”, escrevem. “Um dos artigos do texto impede o uso responsável e equilibrado de dados pessoais – em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), promulgada após amplo debate pela sociedade – para a entrega eficiente de anúncios e serviços que são cruciais para micro e pequenas empresas e para toda a economia brasileira”. Orlando Silva disse que a nova versão do texto resolve a questão.

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