O que muda com a possibilidade de denunciar notícias falsas no Twitter?

Nas eleições deste ano, sociedade chega mais preparada para combater notícias falsas do que há quatro anos/ Pixabay
Nas eleições deste ano, sociedade chega mais preparada para combater notícias falsas do que há quatro anos/ Pixabay
Na opinião de especialista, plataforma pode se envolver em problemas jurídicos no Brasil.
Fecha de publicación: 18/01/2022

A decisão do Twitter de permitir que os usuários do Brasil denunciem e questionem a veiculação de notícias falsas pode se tornar um dos ativos mais importantes da luta da sociedade brasileira contra a desinformação nas eleições de outubro deste ano. O esforço da plataforma, no entanto, deve vir com cautela para não degradar ainda mais o debate político e jogar a empresa em um imbróglio legal.

A análise é do professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Diogo Rais. Um dos mais relevantes nomes do debate sobre a relação da tecnologia com as eleições brasileiras, Diogo indica que o esforço da empresa é válido, mas que, como qualquer ferramenta, pode ser utilizado tanto para ações positivas (como coibir discurso falso) quanto negativas (derrubada de um certo tipo de discurso). 


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Em um país com regras rígidas a respeito desse tema, a empresa pode estar comprando uma briga com a Justiça Eleitoral, caso o resultado da ferramenta acabe por eclipsar algum candidato ou corrente de pensamento.

Diogo, que também integra a Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), comenta que o país está melhor preparado que o último ciclo eleitoral no combate às fake news. “Chegaremos mais preparados para esta eleição quanto ao desafio das fake news, considerando o ecossistema todo: a Justiça Eleitoral, o Ministério Público, a Advocacia, os candidatos e as plataformas”, explica.

A plataforma de mensagens instantâneas norte-americana indicou nesta segunda-feira (17) que iria passar a testar o recurso de denúncias a notícias e mensagens falsas em território brasileiro. A medida não veio sem uma soma de críticas da sociedade civil a um comportamento considerado leniente pela empresa com sede em São Francisco. Recentemente, o próprio Ministério Público do Brasil requereu que a empresa tomasse atitudes sobre o tema.

A seguir, trechos da entrevista:

LexLatin: Ainda há tempo para se reverter os efeitos das fake news nas eleições deste ano?

Diogo Rais: O combate às fake news na política sempre é uma luta constante. Talvez nunca chegue ao final e o importante é nos utilizarmos das armas e energias que possuímos a cada momento.

É válido [o esforço do Twitter], mas eu acredito que, nem em razão do tempo, uma medida só seria suficiente para combater esse desafio. As fake news impactam a tomada de decisão no voto, fazendo com que se tenha uma grande dificuldade de definir o que é o discurso fake. Algumas fake news podem ser muito óbvias, como por exemplo, uma fake news matemática, alguém que diz que construiu dez, mas na verdade construiu uma. Mas existem muitas peculiaridades no discurso político que uma ferramenta com inteligência artificial não será capaz de resolver o problema - mas ajudar sim. Esse é o desafio.

No caso do Twitter, a chegada da ferramenta de denúncias contra fake news é positiva?

É positiva a iniciativa do Twitter, porém chamo a atenção para um perigo iminente: a ideia da empresa está muito baseada na comunicação de fake news pelos usuários e isso tem lá suas vantagens. Entre as desvantagens graves no campo político está o fato de que os adversários são quem equilibram o ambiente. Uma mobilização com a campanha, voltada a denunciar determinados conteúdos de adversários, pode levar tanto o Twitter quanto a própria ferramenta a fazer julgamentos errados - e esses julgamentos podem criar um problema maior que os das fake news. 

E qual seria este problema?

Esse problema é a manipulação da ferramenta a ponto de deixar apenas um discurso político vigente. Aí, ao invés de vivermos uma instabilidade em razão das fake news, teríamos uma pendência ou um deságio em relação a um lado político ideológico, o que seria um desastre para a eleição e para a democracia. Me parece que a ferramenta é bem-vinda, mas é necessária que fique muito atenta a seus desdobramentos para que não seja utilizada de maneira antidemocrática, graças à sagacidade política.

Com essa medida, o twitter passa a ajudar as autoridades no combate às fake news?

Diogo Rais

Já há muitos anos as plataformas têm colaborado com a Justiça Eleitoral - e todas têm feito isso em diversas frentes. O Twitter é uma delas, mas os produtos da empresa Meta também contribuem e são até pioneiros. Facebook, Instagram, Whatsapp e Google/YouTube têm colaborado com a Justiça Eleitoral, além do Twitter.

Essa ferramenta é mais uma tentativa, mas existem várias outras tentativas e ocasiões em que se tem uma atuação das plataformas em colaboração com a Justiça Eleitoral. Até esse momento, das grandes, apenas o Telegram é quem nunca respondeu à Justiça Eleitoral até agora.

A gente já tem esse trabalho de cooperação e esta ferramenta não muda esse cenário - é só mais uma que tenta buscar uma espécie de "moderação de conteúdo" no âmbito de uma plataforma. O Facebook tem ferramentas que fazem isso há muitos anos, assim como o Google e o YouTube. Não creio que consideraríamos isso um ineditismo ou nova forma de atuação.

Como fica o desafio de se coibir fake news sem impedir a propaganda eleitoral - um crime por si só no Brasil? Como equilibrar isso?

É um desafio, que pode trazer grande risco ao Twitter em minha opinião. Quando você obsta ou cria dificuldade ao exercício da propaganda eleitoral, isso é cometimento de crime. E todo esse desvio, por mais que haja boas intenções, pode ser tratado com muito rigor pela Justiça Eleitoral. 

Curiosamente o Twitter já se posicionou, desde a eleição de 2018, como uma plataforma que não venderá anúncios políticos. Me parece que há uma intenção da plataforma de não entrar no negócio político em si - porém com essa ferramenta, independente de pagamento ou não, me parece que a empresa entra com muita firmeza nesse tema e, com isso, atrai os riscos da atividade. Isso tudo dependerá da calibragem da ferramenta e da forma de operação e vigilância do Twitter para isso.

É possível a calibragem, é possível a vigilância. Numa situação duvidosa, deixar o conteúdo no ar me parece muito mais seguro do que remover, com a empresa inclusive correndo risco de eventual punição perante à Justiça Eleitoral.

Comparando com 2018, teremos uma eleição mais segura no que tange às fake news?

É difícil pensar em segurança. Evoluímos bastante da eleição de 2018 para a de 2022. Porém as "contraferramentas" também evoluíram: hoje temos a deep fake, a junção de deep learning com fake news, que é a produção de uma fake news em vídeo. É incomum, relativamente caro em algumas circunstâncias, mas pode surgir com mais força. 

É uma briga de gato-e-rato onde nunca se termina um ciclo. Sempre há alguém pensando em fazer o mal e sempre há alguém pensando em fazer o bem para neutralizá-lo. É uma briga constante, onde não tenha uma bala de prata, uma panaceia, uma solução para tudo - mas onde conseguimos pensar que, a cada passo, avançamos mais.

De uma forma geral, chegaremos mais preparados para esta eleição quanto ao desafio das fake news, considerando o ecossistema todo: a Justiça Eleitoral, o Ministério Público, a Advocacia, os candidatos e as plataformas. As fake news que circularam como em 2018 talvez pudessem ter um impacto muito menor do que o que teve em 2018, dada a maturidade do tema e dos agentes envolvidos.

Que pontas soltas a legislação tem sobre fake news?

Já temos a elaboração de um novo Código Eleitoral, que foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas ainda não foi deliberado no Senado. Ele trazia algumas previsões normativas que poderiam colaborar com o combate às fake News. Outras, preciso dizer, que tinham redação um pouco restritiva e que poderiam trazer outros efeitos colaterais.

A resposta talvez não esteja tão focada na legislação - até porque as fake news acabam sendo mais o insumo, o instrumento, para cometimento de outros delitos. E, mesmo quando isso acontece, não temos visto a efetividade deste processo. Vamos imaginar que, por meio de fake news, se calunie alguém. Já há a tipificação penal, inclusive uma penal-eleitoral específica, para calúnia eleitoral e isso prescinde de uma nova lei, já que aqui as fake news foram apenas um instrumento, um insumo para a aplicação do delito. Mesmo assim, a punição acaba não sendo muitas vezes efetiva.

Em vez de olhar para a legislação, devíamos olhar para o sistema de investigação e atuação. Um erro que a legislação tem cometido, e mesmo os projetos de lei como o PL 2630, é deixar um vácuo ao não buscar a responsabilidade à punição dos intermediários - os terceiros dos terceiros, as empresas que vendem estes serviços. Parece que a legislação e a estrutura estatal têm buscado pressionar as campanhas e as plataformas, deixando de se preocupar com agências de disseminação de fake news, as chamadas "usinas". Ali teríamos muito mais possibilidades de efetividade. 


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O fato é que, para o cenário eleitoral, é necessário a aprovação da norma um ano antes das eleições, como manda o artigo 16 da Constituição. A gente ainda tem essa distância, e a necessidade... mas o cenário tecnológico e as questões políticas têm seu próprio tempo e essas mudanças acabaram não sendo aprovadas em tempo hábil.

Vale a pena a gente refletir um pouco que o melhor combate às fake news talvez seja o combate multissetorial, fragmentado e difuso, vindo de diversos lugares. Talvez as fake news não tenham um só culpado, assim como provavelmente não terá uma única solução.

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