A violência contra a mulher e a responsabilidade social das empresas

Em tempos em que as práticas de ESG são tão fomentadas dentro das empresas, é importante a coordenação de iniciativas públicas e privadas./Canva
Em tempos em que as práticas de ESG são tão fomentadas dentro das empresas, é importante a coordenação de iniciativas públicas e privadas./Canva
Agosto Lilás: mês dedicado ao enfrentamento da violência contra as mulheres destaca a importância de debatermos as diferentes formas de violência.
Fecha de publicación: 31/08/2023

É possível estupro de marido contra mulher se eles ainda permanecem casados? Manter ato sexual com alguém que está dormindo é considerado estupro? A retirada do preservativo durante o ato sexual sem o conhecimento da mulher configura algum crime? A violência doméstica abarca apenas atos de violência física?

 

Esses foram alguns questionamentos feitos – por mulheres e homens – em uma palestra realizada em uma empresa sobre o tema: “Agosto Lilás e o Combate à Violência Doméstica Contra a Mulher”.

 

As perguntas e as interações durante a apresentação fazem refletir sobre a importância de debatermos as diferentes formas de violência doméstica e familiar, inclusive trazendo a discussão para dentro do ambiente de trabalho.


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No ano de 2022, foram mais de 18 milhões de mulheres vítimas de todas as modalidades de violência, o que corresponde a uma média de mais de 50 mil vítimas por dia, equivalente a um estádio de futebol lotado, de acordo com informações da Agência Brasil, no dia 27 de agosto de 2023.

 

A campanha do “Agosto Lilás” deste ano – mês dedicado ao enfrentamento da violência contra as mulheres – lançada pelo Ministério das Mulheres, abordou as diferentes formas de violência: física, psicológica, moral, patrimonial, sexual, política e as desigualdades que as mulheres enfrentam em seu cotidiano.

 

A importância do tema é justamente ampliar a compreensão da população de que a violência contra a mulher nem sempre vem atrelada com um soco, chute ou olho roxo – exemplos de violência física –, mas pode acontecer de formas veladas que também merecem atenção.

 

Nesse contexto, a violência psicológica é entendida como qualquer conduta que cause dano emocional à mulher e diminuição da autoestima, ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento, saúde psicológica e autodeterminação.

 

A violência psicológica foi criminalizada em 2021, com a criação do artigo 147-B, do Código Penal, que tipifica a conduta de “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”, atribuindo pena de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

 

Recentemente, muito se fala sobre a prática de violência psicológica conhecida como gaslighting: método de distorção, omissão e chantagem realizada por parte do abusador, que se vale de abuso psicológico para exercer controle sobre sua companheira, deixando-a em dúvida sobre sua memória ou sanidade.


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Um exemplo típico de gaslighting é quando o agressor afirma falsamente à vítima que ela não atendeu aos seus telefonemas, ou até mesmo que não compareceu ao encontro marcado. Ele faz assim com que a vítima se sinta culpada de um fato inexistente e que foi criado apenas para que tenha o pleno domínio da relação afetiva.

 

Outra forma de violência contra a mulher é a violência sexual, que engloba não apenas o estupro, mas qualquer conduta que limite ou anule o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher como, por exemplo, o impedimento ao uso de qualquer método contraceptivo, a obrigação à gravidez, aborto ou à prostituição.

 

Um exemplo de violência sexual e que as vítimas sequer sabem que constitui um tipo de violência é a prática denominada stealthing, que consiste na retirada do preservativo durante a relação sexual, sem o consentimento da outra pessoa, que acredita que está em um ato sexual seguro e protegido.

 

Alguns Tribunais entendem que a prática pode caracterizar o crime de violação sexual mediante fraude, tipificado no artigo 215, do Código Penal, e que pune com pena de 2 a 6 anos de reclusão a conduta de ter relação íntima com alguém, por meio de fraude ou ato que dificulte a manifestação de vontade da vítima.

 

Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 965/2022, que cria um tipo penal específico para o stealthing, criminalizando “o ato de remover propositalmente o preservativo durante o ato sexual, ou deixar de colocá-lo sem o consentimento do parceiro ou da parceira”. A pena prevista é de reclusão de 1 a 4 anos, se o ato não constituir crime mais grave.

 

Já a quarta modalidade de violência contra a mulher é a patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades, como controlar dinheiro, deixar de pagar pensão alimentícia, destruição de documentos pessoais, furtar coisas materiais da vítima, causar danos propositais a objetos da mulher, entre outros.

 

Além disso, a mulher também pode ser vítima de violência moral, compreendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria contra a mulher, como, por exemplo, expor a vida íntima, acusar a mulher de traição, emitir juízos morais sobre a conduta da vítima e desvalorizar a mulher pelo modo de se vestir, entre outros.


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O “Agosto Lilás” já está terminando, mas é preciso que o governo, a sociedade e, inclusive as empresas, por meio de sua responsabilidade social, não abandonem o tema para ser tratado apenas daqui um ano. 

 

Em tempos em que as práticas de ESG – Enviromental, Social and Governance – são tão fomentadas dentro das empresas, é importante que o combate à violência doméstica tenha um papel significativo em termos de responsabilidade social, seja por meio de palestras para discutir o assunto, criação de canais de denúncia ou apoio e assessoria jurídica para eventuais colaboradoras vítimas de violência doméstica.

 

Desta forma, somente mediante atuação conjunta de todas as esferas da sociedade, com a coordenação de iniciativas públicas e privadas, conseguiremos avançar no relevante tema sobre a conscientização e o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

*Beatriz Esteves e Paula Stolar são advogadas criminalistas no Avelar Advogados.

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