Câmara dos Deputados "esquece" realidade do país e discute imunidade parlamentar

Texto foi discutido diretamente em Plenário e pode blindar parlamentares perante STF/Câmara dos Deputados
Texto foi discutido diretamente em Plenário e pode blindar parlamentares perante STF/Câmara dos Deputados
Durante uma semana as prioridades do Brasil foram trocadas pelos interesses dos próprios deputados.
Fecha de publicación: 26/02/2021

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Durante a quinta-feira (25), enquanto cerca de 1.580 brasileiros perdiam a vida no dia mais mortal da pandemia de Covid-19 no Brasil, os deputados federais se reuniram pelo segundo dia seguido para, sem sucesso, decidir se iriam ampliar as próprias imunidades. Na sexta-feira (26), depois de três dias seguidos travando a pauta de discussões da Casa, o presidente Arthur Lira (PP-AL), retirou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 3/2021 da pauta, reconhecendo que não havia  acordo para a votação.

A corrida para aprovar uma nova redação da Constituição que restringisse as ocasiões onde um parlamentar pode ser preso seria, segundo o parlamentar, uma resposta à prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), ordenada na semana passada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e mantida pela Casa.

A decisão de aumentar a imunidade parlamentar, de acordo com o alagoano, era conjunta de vários partidos. "Muitos partidos aqui fizeram críticas ao texto, mas era um procedimento combinado", disse Lira, ao final da sessão. "Quero deixar claro que não teríamos a votação da sexta passada se não houvesse encaminhamento desta saída constitucional."


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O parecer apresentado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI) criaria um envelope extra à imunidade da qual dispõem, hoje, senadores e deputados federais: eles poderiam ser criminalizados apenas por quebra de decoro parlamentar, mantendo-se "invioláveis, civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". O parlamentar só poderia ser preso pelo STF em flagrante, por crimes inafiançáveis e deveria ficar custodiado dentro da Casa Legislativa que foi eleito, até que ela definisse seu destino.

O texto teve sua admissibilidade aprovada na quarta-feira (24) em Plenário – contrariando o entendimento de alguns parlamentares que o texto, dada sua importância, deveria tramitar primeiramente por comissões da Casa. Uma vez admitida, foi incluído na pauta do Plenário no dia seguinte, onde precisaria ser aprovado em dois turnos, com o mínimo de 308 votos favoráveis.

Desde o início, ficou claro que isso não seria possível. Parlamentares da oposição ao governo obstruíram a pauta como puderam e  ganharam o apoio de membros de partidos alinhados ao governo. O deputado Kim Kataguiri, do Democratas de São Paulo, chegou a acionar o STF em um mandado de segurança contra a tramitação da proposta. Na última sexta-feira, Barroso negou suspender a tramitação, mas disse que "é preciso aguardar a evolução do processo Legislativo, para ver se resulta em texto incompatível com a Constituição."

Fábio Trad, do PSD do Mato Grosso do Sul, também se pôs contra a proposta: "Imaginem, por exemplo, que um parlamentar seja colhido em ato flagrancial com uma mala, recheada de dólares desviada da sociedade brasileira. Não poderá ser preso, o que é um despropósito e anticristão", disse em Plenário, na quinta-feira. Quando o texto foi retirado de pauta, afirmou que a decisão era a "vitória da sensatez".


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Apesar de ser uma previsão constitucional com razão de ser, a imunidade parlamentar tem de ter limites, na visão do sócio da Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, Camilo Onoda Caldas. "Não é admissível sua utilização para subverter a própria ordem democrática, portanto, ninguém pode se valer dela para  tentar, por exemplo, suprimir a defesa dos direitos humanos e interditar as instituições de Estado", disse. "Nossa democracia não funciona bem, mas pior ainda seria se as instituições existentes fossem fechadas e as garantias constitucionais suprimidas."

"O debate sobre imunidade parlamentar é importante", explica Renato Ribeiro de Almeida, que é especialista em direito eleitoral e doutor em direito do Estado pela USP. Apesar de considerar que excessos já foram cometidos no passado contra parlamentares, Renato acredita que a própria tramitação estava com problemas. "Acontece que um debate tão importante como esse não pode ser feito jamais com o atropelo que estava sendo conduzido, sem passar por comissões temáticas, sem a oitiva da sociedade e de especialistas em audiência públicas", disse. "Devido a velocidade, a população, com razão, entendeu que a proposta era uma tentativa de blindagem dos próprios congressistas."

Em uma semana onde as prioridades do Brasil foram trocadas, dentro da Câmara, pelos interesses dos próprios parlamentares, o jogo de poder passará a ficar diferente a partir de agora. "Sem dúvida o STF ficará com menos poderes para decretar a prisão de parlamentares", argumentou Camilo. "Ao mesmo tempo trará mais responsabilidade ao Poder Legislativo, uma vez que deverá agir de maneira mais incisiva contra parlamentares que estejam tirando proveito de suas imunidades para abusar de suas prerrogativas parlamentares." 


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