MP 1.185 deve enfrentar resistência e alimentar inflação

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dedicou os nove primeiros meses de governo à proposta fiscal, aprovada no final de agosto./ Retirado do site do Ministério da Fizenda.
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dedicou os nove primeiros meses de governo à proposta fiscal, aprovada no final de agosto./ Retirado do site do Ministério da Fizenda.
Governo aproveita reviravolta na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para, mais uma vez, tentar tributar isenções fiscais de ICMS oferecidas pelos estados como forma de atrair investimentos.
Fecha de publicación: 25/09/2023

Ainda no final do ano passado, analistas já anteviam para o Brasil “quatro anos muito difíceis pela frente”, com o necessário aumento da carga tributária para dar conta de um novo arcabouço fiscal capaz de reequilibrar as contas públicas. A área econômica do Governo Lula não tem saído muito desse roteiro, com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dedicando quase todo o tempo à articulação política para aquela que tem sido repetida como a sua missão: “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”. 

Assim, ele dedicou os nove primeiros meses de governo à proposta fiscal, aprovada no final de agosto, à reforma tributária, que só deve surtir efeitos para futuros governos, e a medidas legislativas para tributar diferentes tipos de fundos de investimento e agora; com a Medida Provisória 1.185, ás isenções fiscais de ICMS concedidas pelos estados para atrair investimentos.

“Especificamente em relação à MP 1.185, o Governo deve enfrentar resistência, por dois motivos. Primeiro, porque essa MP tende a onerar bastante o setor do agronegócio, que é importante no Congresso. E em segundo lugar, porque ela impacta bastante na efetividade das políticas estaduais de atração de empresas. Em 2017, houve uma alteração legislativa que foi o início de tudo isso, que foi a lei que equiparou todos os tipos de subvenção à subvenção para investimento, que é aquela que poderia deixar de ser tributada. Na época, o presidente Temer vetou esse dispositivo e o Congresso derrubou o veto”, analisa Eduardo Melman Katz, sócio da área de Tributário do Mattos Filho.


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De fato, o presidente Temer vetou dois dispositivos da Lei Complementar 160, que entrou em vigor em 2017, com base no seguinte argumento: 

“Os dispositivos violam o disposto no artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), incluído pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016 (‘Novo Regime Fiscal’), por não apresentarem o impacto orçamentário e financeiro decorrente da renúncia fiscal. Ademais, no mérito, causam distorções tributárias, ao equiparar as subvenções meramente para custeio às para investimento, desfigurando seu intento inicial, de elevar o investimento econômico, além de representar significativo impacto na arrecadação tributária federal. Por fim, poderia ocorrer resultado inverso ao pretendido pelo projeto, agravando e estimulando a chamada ‘guerra fiscal’ entre os Estados, em vez de mitigá-la."

Todos pela arrecadação

Vale lembrar que Michel Temer era vice-presidente e havia assumido apenas um ano antes, depois do impeachment de Dilma Rousseff. Seu governo poderia ter ficado marcado pelo ajuste fiscal que propôs, a partir da EC 95. A medida, entretanto, não foi suficiente para reverter a trajetória de aumento da dívida pública do país em relação ao PIB, problema que se agravou com a pandemia, já no Governo Bolsonaro. Assim, marcado por escândalos de corrupção, Temer tinha, em meados de 2017, apenas 3% de aprovação popular, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) feita pelo Ibope. Ou seja, era um presidente sem qualquer força política.

O Governo Lula, por outro lado, como destacamos em reportagem recente sobre a MP 1.184, que pretende tributar os fundos fechados – o que também já foi rejeitado anteriormente pelo parlamento –, conta com uma ampla base de apoio. E a articulação política não tem se restringido ao parlamento, mas tem se estendido ao Poder Judiciário, como ficou claro, em abril, depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, de forma unânime, no Tema 1.182, que as subvenções para custeio, e não investimento, deveriam sim ser tributadas. Haddad esteve pessoalmente com o ministro relator, Benedito Gonçalves, às vésperas do julgamento. Essa foi uma reviravolta na jurisprudência do STJ que desde a LC 160, vinha consolidando entendimento no sentido oposto.

O tributarista Vinícius Jucá, sócio do Lefosse Advogados, também faz referência ao veto derrubado de Temer e minimiza a menção feita à guerra fiscal, na ocasião. Segundo ele, a LC 160 acabou com a guerra fiscal á medida que validou todos os benefícios fiscais até 2032.

“Por isso, o período de transição da reforma tributária vai até 2032”, explica.


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Ele acredita que, se aprovada, a MP 1.185 pode ter a sua constitucionalidade contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) com base no pacto federativo e no princípio da segurança jurídica, uma vez que muda as regras do jogo, no meio do caminho, para os investidores. O entendimento do governo é de que a subvenção é uma receita que tem que ser tributada por IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. A carga total de impostos, desta forma, chegaria a 43,25% das isenções.

“A diferença de tratamento com a MP é que antes eu não precisava tributar esses benefícios fiscais por nada. Agora a MP manda tributar por tudo, e depois, se forem obedecidos diversos requisitos, o governo devolve um crédito, pela tabela do IRPJ, de até 25%”, resume.

Pressão inflacionária

A tributarista Nataly Santos, sócia do Barreto Lamussi Nunes, concorda com as possíveis inconstitucionalidades apontadas por Jucá e acrescenta que uma simples lei ordinária, forma que será adotada pela MP, caso aprovada pelo Congresso Nacional, pode não ser suficiente para alterar lei complementar. Outro ponto, contudo, é foco de preocupação para Eduardo Melman Katz: o impacto da MP na inflação.

“Essa conta tende a ser muito cara, inclusive para consumo de produtos básicos. Hoje, o varejo alimentar é fortemente beneficiado por benefícios que vão acbar no novo regime. Isso vai ter um impacto, sem dúvida nenhuma, no preço de alimentos básicos para a população. Alguém vai pagar a conta, e é o consumidor; e muitas vezes isso impacta também em setores que já estão em situação difícil, como o varejo, por exemplo”, avalia.

Quase 30 anos atrás o Brasil conseguiu controlar a inflação abordando-a como um mal administrado conflito distributivo pelo PIB. Enquanto o estado, as empresas e os trabalhadores exigiam fatias cada vez maiores do PIB, era necessário cada vez mais moeda em circulação. A saída foi conter os gastos do estado e não reajustar os salários. O risco que se corre ao apostar todas as fichas no aumento de arrecadação é que isso cause ainda mais pressão inflacionária a uma economia já desequilibrada mundialmente pelas medidas de combate à pandemia.


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Talvez esse seja um dos motivos por que o novo arcabouço fiscal ainda desperta a desconfiança dos agentes econômicos. Isso pode ser medido, por exemplo, pelo Boletim Focus, do Banco Central. Na edição de 15 de setembro, a expectativa média do mercado era de déficits em todos os anos, ainda que o Ministro Haddad anuncie que a meta é zerar o déficit a partir de 2024. Até o final do ano que vem, portanto, o governo deve seguir mesmo com esse foco no aumento da arrecadação. Com a MP 1.185, a expectativa oficial é de arrecadar até R$ 137 bilhões em quatro anos. 

Resistência dos contribuintes

O valor não considera a possível arrecadação sobre as subvenções de anos anteriores, mas pode subestimar a resistência dos contribuintes. Para o sócio do Mattos Filho, a judicialização do tema, que se arrastou pela última década e resistiu mesmo à tentativa de pacificação da LC 160, deve se intensificar, se a MP 1.185 for convertida em lei. “A gente entende que essa MP, se aprovada, não deveria afastar os efeitos de decisões que hoje os contribuintes já têm afastando a tributação especialmente dos créditos presumidos”, destaca, em outra frente de possíveis questionamentos.

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