Nearshoring força os países a se prepararem para a transferência de tecnologia

A legislação beneficiará a transferência de tecnologia se contemplar a possibilidade de adotar medidas eficazes contra uma violação dos direitos de PI / ThisisEngineering RAEng - Unsplash
A legislação beneficiará a transferência de tecnologia se contemplar a possibilidade de adotar medidas eficazes contra uma violação dos direitos de PI / ThisisEngineering RAEng - Unsplash
Organizar-se logística, financeira e legalmente para receber empresas interessadas em se realocar é um desafio que as nações deverão assumir num futuro próximo, especialmente porque a terceirização de indústrias inclui importantes ativos intangíveis.
Fecha de publicación: 23/11/2023

Em abril deste ano, o Banco Mundial previu num relatório que, se os países latino-americanos e caribenhos aproveitarem o crescimento do nearshoring e as oportunidades que este oferece, serão capazes de manter a resiliência que as suas economias alcançaram apesar do crescimento do dívida, inflação e incerteza global. “Os países devem acelerar urgentemente o crescimento inclusivo, para que todos se beneficiem do desenvolvimento, e isso exigirá a manutenção da estabilidade macroeconômica e o aproveitamento das oportunidades que a integração comercial oferece hoje”, disse o seu vice-presidente, Carlos Felipe Jaramillo.

 

Essa estratégia de realocação industrial representa vantagens para todas as partes envolvidas. Por exemplo, para quem se desloca, a logística de produção e distribuição melhora, os riscos associados às operações offshore e os custos de transporte e seguros são reduzidos, a proximidade facilita as respostas e reduz os tempos de ação, e é possível aproveitar não só a localização do país receptor, mas também a sua experiência local, que vai desde o conhecimento do terreno até as competências logísticas, ao capital humano e à investigação e desenvolvimento.

 

Para quem recebe, as vantagens vão desde poder aumentar ou melhorar a infraestrutura local até receber empresas que terceirizam suas operações, ter a oportunidade de aprender novos processos e, principalmente, localizar mão de obra qualificada em novos espaços em serviços ou áreas profissionais específicas, como engenharia e tecnologia. A América Latina é um terreno fértil para o nearshoring, não só pelo seu acesso geográfico aos Estados Unidos e Canadá, mas também à Europa, África e Ásia, razão pela qual essa prática ganhou especial relevância nos últimos anos na nossa região.


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Por exemplo, segundo a EFE, o México e o Brasil são os países mais atrativos para a realocação, especialmente para empresas que visam o mercado asiático. O México se beneficia diretamente da proximidade com os Estados Unidos e Canadá e da necessidade dos EUA de aproximarem suas fábricas na China da região, o que gera grandes oportunidades enquadradas nos benefícios comerciais do T-MEC. O Brasil, por sua vez, é o segundo país latino-americano com maior probabilidade de beneficiar do nearshoring, o que poderia aumentar as suas exportações em quase 8 mil milhões de dólares, segundo o BID.

 

Embora os gigantes latino-americanos pudessem ficar com a maior fatia das empresas realocadas, a verdade é que toda a nossa região poderia acolher quem decidisse investir. Um exemplo é o Peru, onde o conglomerado estatal chinês Cosco Shipping Holdings está construindo um porto de águas profundas ao longo da costa peruana para estabelecer um centro logístico, em cuja construção também está envolvido o China Railway Group para construir uma via que liga a área portuária com o parque industrial da cidade de Chancay. Organizar-se logística, financeira e legalmente para receber empresas interessadas em se realocar é um desafio que as nações deverão assumir num futuro próximo, especialmente porque a terceirização de indústrias muitas vezes inclui transferência tecnológica e importantes ativos intangíveis.

 

Acordos de transferência de tecnologia no contexto do nearshoring exigem legislação robusta

 

Essa preparação inclui o fortalecimento do quadro jurídico e a criação, dentro desse quadro, de um sistema de proteção da propriedade intelectual e industrial que, entre outros direitos, seja sólido e eficaz, indica Juan Torres Landa, sócio da prática Corporativa e Financeira da Hogan Lovells México, que assegura que é particularmente importante construir um esquema forte de proteção de direitos autorais, patentes, modelos industriais e marcas, pois estes são os principais ativos de propriedade intelectual e industrial que estão envolvidos nos processos produtivos que seriam materialmente mobilizados devido ao nearshoring. “Investimentos em grande escala não são possíveis num país onde os ativos empresariais não estão protegidos, e entre eles destacam-se, sem dúvida, os conceitos e ativos de propriedade intelectual e industrial aqui referidos.”


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Garantir que esses direitos de propriedade intelectual e industrial sejam efetivamente protegidos requer o estabelecimento de recursos e ferramentas legais para reclamações desses direitos, bem como contar com autoridades de propriedade intelectual competentes, altamente treinadas e eficientes para ouvir e resolver tais casos, afirma o especialista, para quem "os direitos só são válidos na medida em que sua proteção efetiva é no momento em que são violados pelos atos de terceiros.”

“Por outro lado, é essencial que os regulamentos internos estejam alinhados com o padrão global de propriedade intelectual”. Um exemplo disso é o T-MEC, que introduziu diversas melhorias na proteção da propriedade intelectual e industrial no México para garantir um nível adequado e sólido de proteção de tais direitos. “A incorporação dessas normas internacionais deve implicar mudanças institucionais e a devida formação das autoridades correspondentes para conseguir a aplicação eficaz da regulação convencional de forma orgânica e sem que seja necessário, para obter tal proteção, recorrer a órgãos jurisdicionais por desconhecimento de autarquia local, ou falha na adaptação da lei e das instituições internas”, destaca Torres Landa.

Daniel Legaspi, sócio de PI, Intangible Assets & Tech da Santamarina + Steta, garante que a legislação beneficiará a transferência de tecnologia se contemplar a possibilidade de adotar medidas eficazes contra uma violação dos direitos de PI, como impedir a circulação de mercadorias, suspensão ou remoção de conteúdo nas plataformas e fechamentos.


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Deve também incluir recursos ágeis para prevenir infrações, que podem consistir em procedimentos de registo simplificados, procedimentos contenciosos acelerados e colaboração com tecnologia, bem como sanções que constituam um meio eficaz de dissuadir futuras infrações, naturalmente “através de procedimentos que não "são desnecessariamente onerosos, complicados ou com prazos injustificáveis ​​ou atrasos desnecessários, aliados a um quadro jurídico claro que reduza as ambiguidades e facilite a resolução de litígios sobre a matéria."

É também essencial que um país seja percebido como uma jurisdição com segurança jurídica, o que significa que, segundo Legaspi, que concorda com Torres Landa neste aspecto, “além de uma legislação robusta com disposições que permitam aos titulares de direitos de PI tomar medidas contra uma infração, é necessário ter uma autoridade de PI com autonomia técnica e de gestão, especializada, com recursos suficientes para exercer as suas competências, bem como processos internos eficientes e que goze de amplos poderes para prevenir, investigar e sancionar infrações.

No México, especificamente, o T-MEC facilita investimentos e fluxos de tecnologia no âmbito do nearshoring, mas existem outros órgãos reguladores, como o Acordo de Haia, a Convenção de Berna, a Convenção de Paris, o Tratado de Singapura e o Acordo sobre TRIPS, entre outros, que, como um todo, regulam a PI e que podem ser úteis na revisão do que deve ser feito para facilitar a transferência de tecnologia e, ao mesmo tempo, proteger os bens intangíveis das empresas realocadas.


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As oportunidades da terceirização

 

Receber empresas que se deslocam para países mais próximos dos mercados de interesse implica não só “dotar-lhes” de pessoal qualificado, mas também gerir a fabricação de — por exemplo — determinados componentes e produtos nos países que se beneficiam da realocação de empresas estrangeiras. É uma verdade, salienta Torres Landa, que a realocação de empresas e o desenvolvimento de novas tecnologias podem criar novos empregos e oportunidades econômicas para os países beneficiários, o que poderá levar a uma maior procura de produtos e serviços e, portanto, a um estímulo ao crescimento econômico na região. “Além disso, o desenvolvimento de novas tecnologias pode ser um incentivo ao investimento estrangeiro, o que também pode gerar um impacto econômico significativo e positivo.”

 

Em termos de desenvolvimento de novas aplicações e procedimentos, para os países beneficiários, a sua indústria, empresas, universidades e entidades governamentais, isso é muito benéfico, uma vez que, nesses casos, surge sempre a questão de como aproveitar essas oportunidades do domínio da inovação e invenção. “Ao criar um ambiente digital mais forte, diversificado e presente no dia-a-dia da indústria, será necessário apoiar as empresas com um quadro de propriedade intelectual e industrial inovador e abrangente, para que possam ter uma base sólida para entrar e interagir e, em geral, como nação ser atrativa para o mercado cativo”, responde o sócio da Hogan Lovells. Isto tornaria o país mais competitivo e produtivo a longo prazo, “transformando os países anfitriões num local de interesse para mais empresas estabelecerem as suas próprias operações”.

 

Receber empresas que terceirizam sua produção não expande apenas o mercado local, mas também gera um ecossistema de inovação que promove o desenvolvimento de novos conhecimentos e técnicas, bem como programas nos quais esse aprendizado pode ser adquirido, além de incentivar os criadores locais a utilizarem as ferramentas inovadoras desenvolvidas para grandes organizações para otimizar seus próprios processos e aprimorar essas tecnologias, afirma o especialista.


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“Com o nearshoring”, afirma Legaspi, os países “terão a oportunidade de promover o desenvolvimento de novas aplicações e procedimentos baseados na transferência de tecnologia”. Por esse motivo, é importante considerar que os benefícios do nearshoring podem ser observados em diversas áreas, como indústria e educação. Para este efeito, é importante facilitar a transferência de tecnologia para beneficiar o nearshoring, o que requer uma abordagem colaborativa “entre governos, empresas e instituições educativas para criar um ambiente propício que incentive a inovação, a colaboração e a troca de conhecimentos”.

Adicionalmente, salienta, além de uma determinada jurisdição garantir a proteção da PI (indispensável para o sucesso do fenômeno do nearshoring), podem ser tomadas ações como as seguintes:

  • Estabelecer incentivos fiscais para empresas que estejam dispostas a partilhar tecnologia com parceiros ou subsidiárias em países onde pretendam implementar nearshoring.
  • Estabelecer acordos comerciais e alianças estratégicas que facilitem a transferência de tecnologia, eliminando barreiras legais e tarifárias, e alianças estratégicas entre empresas de diferentes países que promovam o intercâmbio de conhecimento e tecnologia.
  • Estabelecer programas de formação e capacitação técnica, ou por meio de bolsas e cursos de formação especializada, para trabalhadores do país receptor, para que possam adquirir as competências e conhecimentos tecnológicos necessários.
  • Estabelecer centros conjuntos de investigação e desenvolvimento entre as empresas nacionais e as localizadas no país vizinho para impulsionar a colaboração e a transferência de tecnologia.
  • Oferecer serviços de consultoria e assessoria a empresas que estejam considerando o nearshoring para auxiliá-las no processo de transferência de tecnologia e adaptação a novos ambientes.

Em última análise, a transferência de tecnologia pode ser apoiada fornecendo quadros eficazes de propriedade intelectual e industrial para a sua proteção, transferência e aplicação, que facilitam a transferência e atraem novas empresas para entrar no mercado, destaca Torres Landa. “Além disso, o governo tem um papel importante em garantir e proporcionar melhorias na proteção da tecnologia e investir em educação que possa criar talentos para contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias”, embora isso exija um compromisso sustentado do governo e da sociedade como um todo para promover a proteção, implementação e desenvolvimento de tecnologias.

“No entanto, é importante reconhecer que nem todas as mudanças podem ter origem regulatória”, uma vez que a principal fonte geradora dessas transições são as políticas públicas abrangentes que preveem a formação de técnicos e profissionais que estarão encarregados do cisma industrial, passando pela geração de estímulos à criação e ao empreendedorismo, terminando na manutenção de um sistema “que combata os problemas, por vezes invisíveis, que impedem os empreendimentos que surgem de subsistir e crescer no mercado”, conclui Torres Landa.

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