Os casos de racismo contra times brasileiros na Copa Libertadores

Em uma semana, foram registrados pelo menos 5 situações envolvendo discriminação da cor da pele/Reprodução
Em uma semana, foram registrados pelo menos 5 situações envolvendo discriminação da cor da pele/Reprodução
Especialistas avaliam punições cabíveis a clubes que não enquadrarem torcedores.
Fecha de publicación: 01/06/2022

Em sete partidas da atual temporada da Copa Libertadores foram denunciados casos de injúria racial contra torcedores brasileiros. Nos últimos seis anos, houve 27 episódios de racismo nos torneios de clubes profissionais, organizados pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). A maioria deles aconteceu na Libertadores, em jogos fora do Brasil e os clubes saíram impunes. 

Nesta edição, os jogos entre Palmeiras e Emelec, Corinthians e Boca Juniors, Estudiantes e Red Bull Bragantino, River Plate e Fortaleza, Olímpia e Fluminense, Millionarios e Fluminense e Universidad Católica e Flamengo registraram casos de racismo direcionados a torcedores.


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No jogo do Corinthians, o torcedor do Boca Juniors imitou um macaco em manifestação direcionada à torcida alvinegra e foi preso em flagrante por policiais militares em Itaquera, zona leste da capital paulista. O homem foi localizado na torcida argentina e levado à Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva (Drade).

O crime de injúria racial é previsto no artigo 140 do Código Penal. O parágrafo terceiro indica uma pena de reclusão de um a três anos, além do pagamento de multa. Mas o torcedor foi liberado no dia seguinte, após pagamento de fiança pelo Consulado argentino.

No episódio do Bragantino, o clube apresentou denúncia junto à Conmebol, que prevê, no artigo 17 do seu Código Disciplinar, que os clubes cujos torcedores atentem "contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas [...] por motivos de cor de pele, raça, sexo, orientação sexual, etnia, idioma, credo e origem" sejam multados em US$ 30 mil (R$ 149.100 em 1º de maio). 

O Palmeiras também pretende entrar com ação junto à Confederação, por causa do jogo em que seus torcedores foram ofendidos com xingamentos de “macacos”. O Fortaleza aguarda um retorno da instituição, que ainda não aplicou punições para os casos. 

O que pode ser feito para punir esses casos, então? LexLatin conversou com especialistas no tema.

Robson de Oliveira

Para Robson de Oliveira, advogado do escritório Demarest Advogados e ex-presidente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB/SP, a Conmenbol deve se posicionar oficialmente sobre como encara a questão racial e combater o racismo e todas as formas de discriminação no meio esportivo. Isso significa adequar todos os seus regramentos para fazer punir os casos concretos que envolvam todas as formas de discriminação. 

"Esse posicionamento deve ser de duas ordens: primeiro, no campo preventivo, desenvolvendo campanhas de conscientização, esclarecimentos e orientação com relação a essa temática, informando das punições e consequências de condutas preconceituosas. Segundo, por meio de seus tribunais desportivos, estabelecendo punições severas nesses casos", diz. 

Na avaliação do advogado, enquanto não houver punição, não haverá educação. "Na verdade, a omissão regulamentar deixa aberta uma janela de possibilidades para que as situações sejam resolvidas caso a caso, priorizando-se o exercício da atividade desportiva. Porém, parece-me que existe um limite em tudo isso. Algumas condutas são intoleráveis. E isso, além de ser dito, precisa ser previsto nos regramentos com sua devida punição", avalia.

Os tribunais desportivos responsáveis pelas sanções a dirigentes, árbitros, técnicos e jogadores, bem como pelas ações praticadas fora do campo, precisam, de acordo com o especialista, criar mecanismos que deem conta de fazer com que infrações de natureza racial causem um efetivo prejuízo das equipes, jogadores e torcidas durante o processo competitivo. 

No caso de atos que acontecem no Brasil, como o da Arena Corinthians, ele avalia que os operadores do Direito, diante de uma situação de racismo ou injúria racial, a vista da prisão em flagrante, não podem arbitrar fiança. Além disso, não podem entender os casos de racismo como condutas atípicas ou de menor potencial ofensivo durante a realização dos inquéritos. Isso significa que os ofensores não podem ser soltos e devem ser indiciados para que sejam responsabilizados por suas condutas.

“Esse cidadão argentino que foi liberado provavelmente nunca verá a punição com relação a sua conduta. Sua soltura representou, em outras palavras, uma forma de absolvição. Isto porque ele provavelmente nunca mais voltará ao Brasil e, portanto, não será punido pela lei brasileira. Muito provável que sequer seja responsabilizado pelo crime, pois são grandes as chances de o Estado argentino nunca receber uma notícia oficial de tal ato, o que importará na total impunidade do agente”, explica. 
 
Caso isso acontece de novo, de acordo com Robson, seria possível prever no crime de injúria racial algumas condutas e ainda fazer incidir majorantes (causas de aumento de pena) caso sejam praticadas em situações como as dos campeonatos desportivos, sem prejuízo das punições administrativas dirigidas aos clubes.

“Assim, eu sugeriria uma alteração do artigo 141 do Código Penal, incluindo o parágrafo terceiro, fazendo assim dispor: 
“ § 3º Se o crime é cometido em com grande concentração de pessoas, tais como estádios durante campeonatos oficiais de futebol, clubes, festas, escolas, aplica-se em triplo a pena.”         
Com isto, a pena de injúria racial nos estádios de futebol passaria a ser de 3 a 9 anos de reclusão. 

Racismo no Direito Internacional

Em 2013, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos aprovou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e formas de intolerância. 

Com a aprovação e a adesão dos países membros da OEA a essa convenção, do ponto de vista do Direito Internacional todos os países da América Latina têm por obrigação adotar medidas efetivas nas esferas administrativa, cível e criminal.

Eventuais violações de direitos humanos e a prática de racismo estão sujeitas às sanções internacionais da Corte Interamericana. Nesse sentido, os países que se omitem podem ser responsabilizados internacionalmente.

“Contudo, havendo o arbitramento de fiança, fica o Estado brasileiro no caso de prática de um crime por estrangeiro, limitado à sua jurisdição. Portanto, se o ofensor retorna ao seu país provavelmente não será punido. Fundamental seria a aplicação de algumas medidas cautelares. Porém, a retenção do passaporte no caso do país vizinho é inócua, na medida em que o tratado do Mercosul permite o livre trânsito nos países”, analisa Robson de Oliveira.  

Apesar das reclamações dos clubes brasileiros, a avaliação do especialista é que ela ainda é muito tímida. “Os campos de futebol historicamente foram espaços onde os crimes raciais tiveram trânsito sem qualquer punição ou conduta que gerasse algum prejuízo maior aos envolvidos e às próprias equipes. Campanhas massivas devem ser realizadas, principalmente considerando-se o tanto que o futebol representa para a população brasileira”. 


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Para o advogado, se houvesse um engajamento dos clubes, o Brasil serviria como referência mundial de combate ao racismo por meio de ações protagonizadas pelas equipes de futebol. 

“Os clubes deveriam realizar atos educativos e utilizar parte de seus lucros em projetos sociais com vistas à emancipação da população negra. Além disso, deveriam adotar medidas de inclusão racial no mercado de trabalho, fazendo com que o dinheiro que circula no esporte seja transformado em uma ferramenta de eliminação das discriminações e construção de gerações futuras capazes de viver em um país totalmente livre”. 

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