O valor das marcas: como gerir os ativos intangíveis de uma empresa?

À gestão de PI de uma marca foram somados cenários comerciais globalizados e digitalizados como neuromarketing, o metaverso e IA / Firmbee.com - Flickr, 360 El Salvador.
À gestão de PI de uma marca foram somados cenários comerciais globalizados e digitalizados como neuromarketing, o metaverso e IA / Firmbee.com - Flickr, 360 El Salvador.
A gestão adequada do patrimônio intelectual de uma empresa é o veículo mais eficaz para multiplicar o valor de suas marcas
Fecha de publicación: 09/11/2022

Recentemente, a consultoria Interbrand publicou seu relatório Best Global Brands 2022, que resume o último ano de movimentos nas marcas mais valorizadas do planeta. Neste compêndio, a Interbrand destacou que o valor médio de qualquer uma das top 20 marcas ultrapassou US$ 3 trilhões, enquanto o valor total das 100 principais marcas foi de US$ 3,08 bilhões em comparação com US$ 2,66 bilhões de 2021.

A visão das organizações sobre suas marcas mudou e o enfoque tradicional de construir uma marca em torno de um produto ficou para trás. Hoje, ao contrário, os negócios crescem a partir da marca.

Uma das marcas que foi construída com um sistema um pouco afastado do produto e focada nas experiências que oferece é a Xiaomi, a gigante chinesa dedicada à fabricação de smartphones e hardwares conectados por meio de uma plataforma ao estilo Internet das coisas (IoT). O mais interessante é que seus produtos, recentemente, conquistaram uma grande fatia do mercado ocidental.

De acordo com Tushar Menghani, especialista da The Marcom Avenue, a Xiaomi soube aumentar o valor de sua marca seguindo uma estratégia de mercado minimalista, já que seus preços baixos para produtos ótimos são a melhor carta de apresentação. Sua estratégia de marketing também foi baseada no uso de redes sociais para economizar em custos de publicidade.

Menghani explica que isso se chama “hunger marketing, baseado em operar de acordo com as necessidades emocionais do seu segmento-alvo, “ao criar propositalmente uma escassez de oferta, gerando um rebuliço no mercado e evocando o desejo dos clientes de possuir um smartphone MI”. Gera-se, nos consumidores, um medo de perder algo (Fomo), o que acaba gerando curiosidade e promoção gratuita.


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Monopolizar o valor agregado?

O caminho percorrido pela Xiaomi também funciona porque os tempos mudaram, como diz Gonzalo Sánchez, sócio de Santa Cruz IP (Chile); hoje em dia é impensável projetar o desenvolvimento e sucesso de uma empresa sem considerar a PI. Segundo ele:

“Essa premissa se radicalizou nestes tempos. Com efeito, a luta brutal das empresas para competir pela preferência dos clientes obriga-as a inovar constantemente e a agregar valor para garantir vantagens competitivas, o que significa que a PI e os intangíveis são a única ferramenta que permite blindar e monopolizar o valor agregado e inovador que configura a identidade comercial de uma empresa”.

Marta Fernández Pepper, principal sócia e diretora da área de PI do Estudio Muñiz (Peru), comenta que, embora o avanço da tecnologia gera, sem dúvida, a criação de maiores ativos intangíveis, estes devem ser monetizáveis, por isso uma boa estratégia de marketing e revalorização de uma marca deve passar pela geração de um direito de propriedade intelectual sobre esse ativo. 

“O pedido de proteção legal de qualquer marca relevante ou intangível, só com a devida proteção legal se obtém o direito de exclusividade, bem como o direito de excluir terceiros do uso não autorizado de tal ativo”, afirma Pepper.

A advogada ressalta que, em muitos casos, uma empresa deve observar que um mesmo ativo pode ser protegido por mais de um elemento de propriedade intelectual. “Por exemplo, o design de um rótulo: pode ser protegido como marca para os produtos que vai distinguir, mas também pode ser protegido pela lei de direitos autorais na medida em que o rótulo tenha originalidade para ser considerado como obra. Com o registro do rótulo como obra, pode-se apresentar oposição contra um registro de marca idêntico ou similar, ao ponto que cause confusão, solicitado por um terceiro que o registro de marca não tenha coberto.”

Atrás do sucesso de uma empresa há um intangível

A Xiaomi desenvolveu uma estratégia de negócios que depende do tempo e das tendências, como ― de acordo com Meghani ― a criação de uma grande base de fãs envolvendo milhões de pessoas em todo o mundo, o que “aumentou o nível de reconhecimento da marca sem nenhum custo adicional para a empresa”, um movimento que deixa dados a serem analisados e permite a criação de outros produtos para os seus usuários.

O que a gigante chinesa tem feito é semelhante ao descrito por Sergio Queipo, sócio da Ojam Bullrich Flanzbaum (Argentina), sobre a importância das ideias no crescimento dos projetos: lembre-se que no seu sucesso há sempre um intangível em sua essência. 

“Esse ativo inicial se multiplica, dando origem a outros, como marcas, patentes, modelos industriais, passando, em muitos casos, a formar a maioria do valor das empresas.”, afirma Queipo. 

O advogado ressalta que, como as marcas são um ativo, deve-se sempre lembrar que há nelas um valor agregado, geralmente relacionado à alta qualidade e a determinadas características desejadas por um segmento-alvo. 

“O processo de avaliação de intangíveis busca determinar a margem diferencial referencial, ou seja, o maior valor que o intangível dá ao produto ou serviço em questão.”


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Gestão da PI

Aprofundando-se nas estratégias jurídicas relacionadas com a gestão da propriedade intelectual, de forma a aumentar o valor público e econômico de uma marca, deve-se levar em conta as informações contábeis, suas projeções, estudos de mercado, análise do grau de proteção desses ativos e outras variáveis ​​de referência, pois “conhecer esse valor permite gerenciá-lo de forma mais eficiente, alocando recursos para aqueles aspectos específicos que potencializam seu valor”, diz Queipo. 

“O processo de avaliação de um ativo implica uma análise dos fatores essenciais que o afetam, a natureza das receitas atuais e futuras, o nível de exploração atual e potencial, o macroambiente econômico que envolve o projeto, bem como o risco do investimento em capital intangível”, explica Paula Caraffa Morando, sócia da Ojam.

Claro, a Xiaomi não é a única empresa que baseou seu sucesso nas necessidades imediatas de seu público-alvo (no caso, pessoas que queriam acesso a smartphones premium, mas com preços acessíveis), existem muitas outras. Na verdade, as mais bem sucedidas atualmente se baseiam no hunger marketing. Entre elas, merece destaque a sueca Spotify, a melhor e maior plataforma de streaming de música, que soube aproveitar o enorme desejo que as pessoas tinham, nos primeiros anos deste século, de baixar ou ouvir música online.

O Spotify aproveitou o nicho de fãs de música enquanto abordava o crescente problema de pirataria enfrentado pela indústria, oferecendo um serviço gratuito suportado por anúncios, na esperança de afastar as pessoas de plataformas como Napster, LimeWire e The Pirate Bay e que estas, no final, assinassem o serviço sem publicidade. Essa ideia, também nascida da incapacidade de legislar para coibir a pirataria, deu certo.

O sucesso desta empresa baseou-se também na valorização dos seus ativos intangíveis, através do trabalho permanente ao longo do tempo. É talvez como explica Gonzalo Sánchez, “um horizonte que explica o enorme valor que as marcas experimentaram tem a ver com o fato de terem transcendido a sua função primordial, de distinguir, informar e indicar a origem do negócio para se integrarem no panorama semântico e emocional das pessoas, repercutindo em seus comportamentos e decisões”. 

Spotify, Xiaomi, Disney, Apple, Amazon, Coca-Cola e Toyota, para citar alguns, satisfazem as necessidades humanas como a necessidade de afeto e pertencimento, e é isso que aumenta seu valor no mercado.

Além disso, essas empresas respondem com eficiência ao aumento da complexidade da marca, que, nas palavras do sócio da Santa Cruz IP, “exige consistência, propósito, transparência e honestidade das marcas”. No mundo de hoje, “os ativos intangíveis passam a ser os elementos que podem agregar maior valor às empresas. Dentro desse grupo de ativos, destacam-se os elementos de propriedade intelectual: marcas, patentes, obras protegidas por direitos autorais e também há segredos de negócios e know-how”, destaca Marta Fernández Pepper.

A gestão adequada do patrimônio intelectual de uma empresa é o veículo mais eficaz para multiplicar o valor de suas marcas. “Os ativos intangíveis (marcas, patentes, modelos, software etc.) constituem um valor estratégico e diferenciador para quem os possui”, diz Queipo, que lembra que “o valor de uma marca, por exemplo, não é uma constante, mas é dinâmico e se corresponde com a fatores tão díspares que vão desde as próprias ações de marketing da empresa até fatores macroambientais (consumo, PIB, inflação etc.)”, o que os torna ativos altamente voláteis.


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O que os especialistas recomendam para gerenciar o valor de uma marca?

“O principal conselho é identificar e proteger legalmente os bens que são elementos de PI”, aponta a sócia do Estudio Muñiz. “Existem regras básicas que devem ser levadas em conta, por exemplo, a proteção de marcas e patentes é territorial (com algumas exceções). (...) a proteção deve ser oportuna; no caso de marcas, antes de entrar no mercado e no caso de patentes de produto, procedimento ou modelo de utilidade, antes de divulgar informações sobre esses elementos e o mesmo se aplica ao registro de desenhos.”

“A valorização de intangíveis sempre apresentou uma certa complexidade. Isso porque durante a maior parte do passado, os ativos tangíveis (imóveis, máquinas, equipamentos, móveis) eram considerados os principais valores das empresas. Hoje o cenário é outro e podemos afirmar que os ativos intangíveis passam a ser os elementos que podem agregar maior valor às empresas”, conclui.

Sánchez destaca que "devemos estar atentos a dois fenômenos muito frequentes: a subproteção e a superproteção dos ativos de PI, principalmente em relação às marcas", até porque muitas empresas evoluíram para novas áreas comerciais, "sem proteger consistentemente essa dinâmica e é comum notar que os portfólios de marcas sofrem com a falta de proteção em relação à cobertura, áreas geográficas e presença em plataformas virtuais.” Caso contrário, há uma renovação constante do portfólio de marcas de determinadas empresas, o que, em sua opinião, constitui um gasto inútil para elas.

Em um nível mais técnico, Queipo salienta que a valorização dos intangíveis é fundamentalmente baseada nos rendimentos futuros, por isso, digamos numa operação de M&A, "em termos de valorização, é necessário considerar não só todos os ativos intangíveis que são adquiridos, mas também como estes valorizam o património da sociedade que os incorpora” tendo sempre em conta que “o valor varia de acordo com as circunstâncias que acompanham a finalidade da avaliação, ou seja, nem todos são capazes de gerar o mesmo valor de um grupo de intangíveis, nem todos os explorariam de maneira semelhante”.

“Vejo os consultores de PI não apenas como especialistas em procedimentos legais para a proteção de ativos de PI, mas também como 'parceiros estratégicos' que acompanham e iluminam o caminho das empresas em seu futuro comercial”, diz Sánchez. É imperativo levar em conta que o tempo é um elemento determinante para a valorização dos ativos intangíveis: uma marca deve partir de uma base legal com seu registro correspondente para ter o controle e a titularidade legal do ativo.

“Hoje existem múltiplos veículos que carregam identidade comercial (marcas, nomes de domínio, cartazes e vídeos publicitários, sites etc.) e novos e disruptivos cenários comerciais também estão surgindo, como o metaverso, que deve ser abordado com urgência pelas empresas para não ficarem deslocadas em sua atividade comercial”, lembra Sánchez. “Os ecossistemas digitais assumiram a urgência da proteção da propriedade intelectual e agora promovem sua proteção como prioridade máxima.”

Ao lidar com essas novas plataformas online, os especialistas recomendam investir em nomes de domínio, contas em diferentes plataformas digitais e adesão a tratados como o Protocolo de Madrid, que têm um custo mínimo e conferem à empresa uma presença global permanente.

Antes, a gestão da PI de uma marca se baseava em evitar sua confusão, erro e diluição, mas agora foram adicionados cenários comerciais globalizados e digitalizados que obrigam as empresas a assumirem novas tendências como o neuromarketing, o metaverso e os algoritmos de inteligência artificial.

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