O que está por trás das fusões de escritórios de advocacia?

No mercado jurídico atual existe um paradoxo que consiste no fato de pequenos escritórios, quanto mais bem sucedidos e rentáveis ​​forem, mais difícil se torna a sua integração. /Canva.
No mercado jurídico atual existe um paradoxo que consiste no fato de pequenos escritórios, quanto mais bem sucedidos e rentáveis ​​forem, mais difícil se torna a sua integração. /Canva.
Algumas causas circunstanciais são a incerteza econômica, a situação do mercado e o momento vital do fundador do escritório.
Fecha de publicación: 22/11/2022

Processos de fusão e integração e suas empresas resultantes podem ser mais bem-sucedidos quando se entende  suas causas originais. Na realidade, trata-se de um conjunto mais ou menos desordenado de causas econômicas, sociais, psicológicas e algumas conjunturais. De forma similar, paraa as pequenas empresas mais bem-sucedidas, existe um desafio ― quase um paradoxo ― que se interpõe em seus processos de integração ou fusão: seu sucesso. 

Essas reflexões surgiram a partir da sessão realizada na Seção de Gestão e Inovação de Sociedades de Advogados da Ordem dos Advogados de Madrid (ICAM), em setembro de 2022, na qual palestraram os advogados  Mario Alonso Ayala, presidente da Aurene, e Manuel González-Haba Poggio, sócio-diretor da Ejaso ETL Global. Essas reflexões, que surgiram após o referido debate, trouxeram ideias sobre o processo, opções, modelos próprios, problemas e desafios das integrações e fusões de escritórios. 

Por que os escritórios de advocacia se integram ou se fundem?  

A resposta a essa pergunta tem a mesma origem da pergunta: por que os advogados se associam? As sociedades de advogados, enquanto empresas de prestação de serviços profissionais, não são empresas intensivas em capital, mas sim intensivas em capital humano, sendo esta uma das particularidades mais importantes no estudo da forma como são geridas. 

Sua principal vantagem competitiva, na maioria dos casos, são as pessoas que compõem o escritório profissional e, de forma especial, seus sócios1


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Causas gerais de fusões de escritórios 

Econômica 

Do ponto de vista econômico ― homo œconomicus ―, a associação surge como uma combinação de dois princípios orientadores: 

  • A divisão do trabalho, inicialmente expressa por Adam Smith2 
  • A Lei de Associação de Ricardo ― ou lei das vantagens comparativas ―, dado que a economia e a geração de riqueza não são um jogo de soma zero.3 

Desde Adam Smith, com seu tratado de economia 'A riqueza das nações', até Ludwig von Mises (2009), a divisão do trabalho tem sido um conceito associado a uma maior eficiência no investimento de capital, tempo e riqueza gerada para todas as pessoas que participam do processo produtivo. Segundo Mises: “a ação cooperativa tem maior eficácia e produtividade do que a ação individual isolada. As condições naturais que determinam a vida e o esforço humano permitem que a divisão do trabalho aumente a produtividade por unidade de esforço investido.”  

Por outro lado, a Lei da Associação de Ricardo (David Ricardo) expressa a Lei das Vantagens Comparativas, que pode ser explicada da seguinte forma: 

Se um trabalhador  'A' executa duas funções, 1 e 2, melhor que outro operador 'B', mesmo assim, convém que 'A' e 'B' se associem e trabalhem juntos, pois 'A' executará a tarefa '1' muito melhor que 'B', mas a tarefa '2' ele executada apenas um pouco melhor que ‘B’..É do interesse de 'A' executar apenas a tarefa '1' e associar-se a 'B' para que 'B' execute apenas a tarefa '2', mesmo que a faça um pouco pior do que ‘A’. Assim, a associação prossegue, mesmo nos casos em que 'A' é mais eficiente que 'B' em ambas as tarefas ou em mais, e a cooperação continuará sendo positiva e a produtividade aumentará se 'A' se dedicar exclusivamente a produzir o bem — ou prestar o serviço —- em que é mais eficaz. 

Dessa forma, a combinação de ambos os princípios (divisão do trabalho e vantagem comparativa) possibilita a realização de projetos que superam a capacidade de uma única pessoa (ou empresa, neste caso) e são a essência econômica do trabalho em grupo.

Sociológica

Do ponto de vista sociológico, devemos atender à natureza dual do ser humano. O ser humano é de dupla natureza, individual e grupal, de modo que a pertença a um grupo é inerente, e essa natureza grupal é o principal incentivo de qualquer associação, pois dependemos dos outros para cooperação e realização pessoal. 

Gestão de incertezas 

Finalmente, há uma terceira causa (ou conjunto de causas) relacionada ao risco, sobretudo com a gestão pessoal da incerteza inerradicável dos projetos humanos. Essa incerteza, e a gestão do risco que ela comporta, tem sido assumida de forma evolutiva que, em certa medida, se atenua enquanto grupo, isto é, através daquilo que conhecemos como 'risk pooling'. 

Em síntese, podemos afirmar que, no fundo, os motivos das integrações ou fusões têm as mesmas razões fundamentais: 

• cooperação econômica, 

• participação psicossociológica, e 

• gestão da incerteza através da mutualização de riscos. 

Algumas causas circunstanciais  

No entanto, existem também outras causas mais específicas e algumas tipicamente circunstanciais.

Maior incerteza econômica 

De certa forma, a atual crise gerada em parte pela reação à COVID-19 e as atuais pressões econômicas e inflacionárias foram um banho de realidade. Muitas empresas examinaram mais de perto alguns de seus riscos e falhas estruturais. 

Como dissemos, a mutualização de riscos é uma das causas da associação e também das integrações. Mutualizar riscos é compartilhar certos riscos comuns com seus iguais; dessa forma, o grupo torna esses riscos mais previsíveis, o impacto pode ser mitigado e as medidas preventivas podem ser menos onerosas e eficazes. Isso, em parte, se baseia na reciprocidade e expectativa de comportamento coerente do próximo (o sócio, ou o mutualista). 

Em particular, as pequenas empresas podem mitigar alguns dos seus principais riscos inerentes à sua dimensão e suas deficiências económicas, estruturais e organizativas integrando-se com uma empresa maior. 

Situação do mercado 

No mercado espanhol e no mercado jurídico ibero-americano, verifica-se uma certa “corrida” de integração entre as empresas de médio porte, por parte de empresas com sócios muito antigos. Esta situação não pode ser ignorada. 

Momento vital das firmas que têm um fundador 

Majoritariamente, existe um tipo de firma de pequeno porte liderada por um fundador ou fundadores ativos, mas que já estão no topo de sua carreira. Esse tipo de firma obtém dois benefícios ao se integrar: garantir uma certa capitalização de seus ativos circulantes, que se deteriorariam e perderiam valor nos anos seguintes, e compartilhar os riscos, que hoje se tornaram mais visíveis e que, com o passar do tempo, se deparam com uma aversão relativamente maior. 

Nesse tipo de integração, as firmas receptoras ou integradoras recebem um capital humano muito valioso e um portfólio – ativos – que poderão aproveitar além dos primeiros anos e também a reputação e experiência de advogados experientes. 


Veja também: Como recompensar o legado dos sócios fundadores a caminho da aposentadoria?


O paradoxo da boutique de sucesso  

 Algo comum e que ocorre em muitas jurisdições é que, no atual mercado jurídico existe um paradoxo que consiste no fato de esse tipo de pequenas firmas, quanto mais bem sucedidas e rentáveis ​​forem, mais difíceis de integrar, uma vez que a sua margem e o benefício obtido pelos seus sócios é normalmente superior à média das empresas em que estão integrados. Uma espécie de “quanto melhor eu sou, menos atraente eu sou”.

Se o objetivo é “capitalizar” parte dos benefícios futuros, muitas vezes acontece que, ao ingressar em uma empresa maior, a lucratividade é perdida no início. Isso significa que muitos processos não avançam e ocorrem tensões e reticências. 

A patrimonialização pelo sócio da riqueza gerada costuma ser muito alta, normalmente superior à média das firmas associadas. 

Quanto mais lucrativa e bem-sucedida for a firma a ser integrada, mais difícil será o processo e menos atrativa será a priori a integração para as partes. 

É preciso que ambas as partes estejam muito atentas a esta situação, sob pena de perderem grandes oportunidades de mercado. Embora integrações mais fáceis estejam ocorrendo a priori, mas no fundo elas não estão com os melhores candidatos. 

O objetivo final

Além de tudo o que já foi dito com relação a causas inerentes, causas conjunturais e paradoxos de mercado, devemos terminar reiterando o conceito mais importante: em qualquer caso, uma integração deve ser um processo de avanço. Para a empresa receptora e para a resultante, esse é um processo orientado para o crescimento e a possibilidade de explorar novas oportunidades e negócios ― negócios cujo tamanho importa. 

Observa-se frequentemente também que os processos de integração ou fusão são motivados pela resolução de deficiências internas ou problemas importantes, pensando-se que, desta forma, pode-se encontrar uma solução. Isso geralmente não funciona, especialmente quando os problemas das empresas estão na sociedade. Pensar que, adicionando novos sócios, os problemas atuais podem ser resolvidos ― em vez de abordá-los diretamente, com medidas como mudanças no sistema de compensação ou similares ― quase sempre leva a uma integração fracassada.  

*José Luis Pérez Benítez é consultor de escritórios de advocacia na BlackSwan Consultinge professor de administração na Universidade de Navarra. E-mail: [email protected]

1 Não tratamos neste documento de algumas “novas” modalidades de escritórios de advocacia que estão surgindo, nas quais o capital e a tecnologia têm um papel diferente do modelo tradicional. 

2 Citação de MISES, Ludwig Von. Ação Humana (Tratado de Economia). União Editorial, Madrid 2009; pp. 189 e segs. 

3 Citação de AYAU CORDON, Manuel F., Um jogo que não dá zero. Universidade Francisco Marroquín, Guatemala 2006.

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