Sabemos que os pilares de um escritório são seus clientes e seu talento, que os clientes são atraídos, desenvolvidos e mantidos com base na especialidade e expertise do escritório, e que isso se faz mantendo, atraindo e, sobretudo, desenvolvendo os profissionais que o compõem. A esses dois pilares foi adicionada a transformação tecnológica.
Diz-se que a guerra anunciada não mata soldados. Observando o que está acontecendo no mercado de serviços jurídicos, parece que a maioria dos escritórios não assumiu o desafio de enfrentar essa batalha, como evidencia a movimentação de profissionais do setor.
Em recente artigo publicado na LexLatin, Toni Jaeger-Fine apontou, de forma clara e enfática, a importância e a necessidade de desenvolver talentos para retê-los. Explicou também a necessidade de desenvolver a gestão do talento com uma abordagem sistemática, com forte ênfase na formação e desenvolvimento dos profissionais.
Gerir o talento de forma estruturada implica, como aponta a autora, reconhecer a necessidade de investir na sua formação e desenvolver a liderança. Para alcançar o desenvolvimento do talento em todos os níveis, do associado ao sócio, e atingir níveis de eficiência e eficácia que gerem retenção de talento e satisfação do cliente, é necessário que a firma implemente políticas e processos que assegurem a gestão do seu talento.
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As firmas têm constatado que, no final das contas, é mais caro rotacionar talentos do que investir neles para sua formação e desenvolvimento.
Os supervisores e coordenadores, juntamente com os dirigentes do escritório, têm a enorme responsabilidade de garantir que os profissionais prestem seus serviços da maneira mais eficiente e de motivá-los a alcançar total identificação com o escritório e contar com cada um deles com um aliado.
Parâmetros da gestão de profissionais
É indispensável gerenciar os profissionais de forma permanente e eficiente. Para isso, é importante observar uma série de parâmetros relacionados ao desempenho, supervisão, coordenação, treinamento, feedback, colaboração, entre outros, aliados a políticas claras de desenvolvimento de carreira profissional e de remuneração.
A crise enfrentada pelas firmas com relação à gestão e à retenção de talentos muitas vezes as leva a tomar decisões que são adotadas de forma ad hoc, mas o resultado não é necessariamente o desejado.
Num artigo recente, Pedro del Rosal do El Confidencial (Madrid) analisou que a crise de falta de talento pela qual passa o setor jurídico levou ao uso, naquela jurisdição, de instrumentos de negociação que até recentemente eram considerados tabu, referindo-se a fazer uma contraproposta ao profissional que anunciou sua aposentadoria do escritório, ou utilizando bônus para retenção ou contratação de talentos.
A reação das firmas, ao saber da decisão de um profissional de se aposentar para trabalhar em outra firma, foi, e em muitas firmas ainda é, considerar o referido profissional “morto”, gerando um voto de desconfiança e em muitas ocasiões acelerando sua retirada, uma situação que não ocorre apenas na Espanha, mas também na maioria dos países da América Latina.
Muitas vezes, as firmas e seus dirigentes se enganam ao considerar que o profissional se aposenta única e exclusivamente por motivos econômicos. Embora seja verdade que o fator econômico tem um papel determinante na decisão do profissional de deixar o escritório, geralmente, por trás dessa decisão há uma série de elementos que vão além da questão econômica e que estão relacionados a fatores como a carreira do profissional, suas oportunidades de crescimento, à cultura da firma etc. Hoje somam-se outros fatores, que também desempenham um papel importante, como flexibilidade de horários, diversidade, inclusão e bem-estar profissional. O problema é que, na grande maioria dos casos, essas questões não são abordadas na discussão e a negociação tende a se concentrar na parte econômica.
As firmas sabem, agora mais do que nunca, que substituir um profissional não é fácil, que há um custo envolvido, que pode ser alto, levando em conta o número de anos que o profissional está na firma. O custo de substituição pode ser alto devido às implicações atreladas a ela, como, por exemplo, o novo profissional precisará ter um período de adaptação para identificação com a empresa e sua cultura, sem que haja uma garantia de que a incorporação terá um resultado bem-sucedido.
O artigo de Pedro del Rosal aponta, com razão, que a retenção do profissional como resultado de uma revisão de seu pacote econômico não garante necessariamente que o profissional permanecerá no escritório por muito tempo, principalmente se as negociações não discutiram, ou sequer levantaram, as verdadeiras razões para que um profissional tome a decisão de renunciar.
Dependendo dos termos e condições de sua negociação, o bônus de retenção ou de contratação pode ser um fator importante na retenção ou atração do profissional. Mas, como menciona o artigo do El Confidencial, as empresas e seus líderes devem estar cientes de que a questão econômica não é necessariamente a única resposta. O escritório deve conhecer as razões que fundamentam a decisão do profissional que se demite.
Lembremos que diferentes pesquisas trouxeram dados importantes em que os profissionais não se veem desenvolvendo uma carreira de longo prazo no escritório da qual fazem parte, o que representa um importante desafio para as empresas reterem seus talentos.
Uma questão não mencionada e que vai além da gestão correta do talento e do estabelecimento de políticas para a sua formação, desenvolvimento, retenção e atração é a necessidade de as empresas reverem o seu modelo de negócio.
A guerra por talentos resulta de uma série de fatores que estão impactando o mercado de serviços jurídicos, mas definitivamente o principal fator nessa competição para reter e atrair os melhores talentos resulta da competição que existe entre todos os prestadores de serviços do mercado.
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Em recente artigo escrito por Mark A. Cohen, publicado na Forbes, ele reflete sobre os desafios que os escritórios de advocacia tradicionais podem enfrentar diante de decisões competitivas, como a recente decisão da EY de separar seus serviços de consultoria e auditoria, e sua visão de criar uma empresa líder mundial na prestação de serviços jurídicos.
Como aponta Mark A. Cohen, embora essa decisão seja uma decisão real, também são reais todos os desafios que se deve enfrentar para alcançá-la, conforme o planejado.
Mas a verdade é que o setor tradicional de serviços jurídicos precisa entender as consequências que a decisão da EY pode ter para o mercado e a real necessidade de as firmas revisarem minuciosamente seu modelo de negócios.
Eu me pergunto, qual escritório os novos e jovens talentos seguirão?
*Fernando Pélaez-Pier é CEO de LexLatin e editor da seção de Gestão.
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