Numa conversa que tive com um sócio de um importante escritório de advocacia na Argentina, ele se mostrou frustrado e disse: “Os jovens não têm mais a visão de antes. Agora, os parceiros têm que arcar com o peso do trabalho se quiserem evitar uma crise com o cliente.” Na sua opinião, os jovens advogados evitam ao máximo o trabalho árduo e se concentram mais nos rendimentos e em outros interesses que podem ter fora do escritório. “Não sei como este negócio continuará depois que a minha geração se aposentar”, concluiu.
Os comentários acima coincidem com um artigo que li recentemente na revista Time, de Jamie Ducharme, intitulado The Case for Mediocrity, em que o autor indica a mudança que muitas pessoas estão vivendo: a preferência de várias pessoas por uma vida menos bem sucedida e mais pacífica.
O estresse e o esgotamento se converteram em algo muito importante em muitos ambientes de trabalho. A cultura tradicional sempre favoreceu o esforço e o sucesso, custe o que custar. No entanto, isso se tornou um problema nos últimos anos.
Em 2023, mais de três quartos dos adultos americanos relataram sentir-se estressados no trabalho, quase 60% experimentaram elementos de esgotamento e quase 20% sentem que trabalham em um ambiente “tóxico”, de acordo com a Associação Americana de Psicologia.
Sugestão: A importância da inteligência emocional para passar de advogados a líderes
Os escritórios de advocacia não são exceção. Existem vários relatórios que indicam elevados níveis de estresse e esgotamento no mercado jurídico dos EUA. Talvez em menor grau, mas creio que também seriam aplicáveis na nossa região.
Dito isto, surge a próxima questão: o estresse nos escritórios de advocacia é significativamente maior do que nas três décadas anteriores? Se você perguntasse aos seus sócios que são baby boomers, a resposta provavelmente seria: na verdade, não! Os escritórios de advocacia sempre tiveram níveis significativos de trabalho árduo e estresse. Faz parte do jogo. Talvez reclamássemos quando estava exausto, mas no dia seguinte recomeçaríamos.
Se os níveis de estresse não mudaram tanto, de onde vem toda essa reação negativa?
Acho que a palavra-chave a explorar é motivação. Quando jovem advogado, estava extremamente motivado para trabalhar arduamente, fazer os meus chefes felizes e melhorar as minhas perspetivas de carreira. Além disso, eu queria saber o que era necessário para me tornar um sócio um dia.
O reconhecimento e o sucesso vieram de uma longa carreira. Trabalhar duro era o que precisava ser feito para atingir esses objetivos. Na minha época, as metas de longo prazo eram as mais importantes. Todos os esforços e sacrifícios foram direcionados nessa direção.
O equilíbrio entre objetivos de longo e curto prazo mudou dramaticamente durante a última década e além. Um escritório de advocacia precisa ter uma trajetória profissional para seus advogados; No entanto, essa não será a principal fonte de motivação para a maioria deles. Outros elementos tornaram-se de extrema importância na mente das pessoas talentosas. Vamos dar uma olhada em alguns deles.
Leia também: Fortalecendo jovens talentos em escritórios de advocacia: estratégias de desenvolvimento e retenção
Desenvolvimento de talento
Esta é provavelmente a principal fonte de ambição de muitos jovens advogados. Trabalhar em assuntos interessantes e aprender o que significa ser um bom advogado, e essa combinação é uma parte essencial do desenvolvimento profissional. Isso requer bons mentores e professores.
No passado, esses elementos eram tidos como garantidos, o que significava que a dedicação ao desenvolvimento dos advogados era desigual e aleatória entre os sócios.
São diversas as questões que têm tornado a formação de jovens advogados uma tarefa complexa. No entanto, os sócios devem compreender que este é um objetivo crucial nos escritórios de advocacia. Não só porque os atuais associados juniores são futuros sócios – pelo menos alguns deles – mas também porque os advogados precisam desse ingrediente-chave para se manterem motivados e integrados na firma.
Despertar a paixão em seus advogados sempre foi uma característica de escritórios de destaque. Um sentimento de orgulho e entusiasmo dava sentido à vida profissional, por isso tornar-se sócio sempre foi uma aspiração. Porém, esse elemento não é tão forte hoje como costumava ser e, consequentemente, é necessário gerar paixão, não pelo futuro, mas no presente. O crescimento e o desenvolvimento devem ser um aspecto essencial desse processo.
Confira: Como adotar um modelo de gestão de talentos? 13 ações para o seu desenvolvimento
Colaboração e jogo em equipe
Outro elemento que tem se tornado cada vez mais valioso para os advogados é o ambiente em que trabalham: os jovens advogados tendem a se identificar mais com a equipe em que trabalham do que com o escritório como um todo. Um bom clima de colaboração e trabalho em equipe ajuda os advogados a se sentirem mais integrados e motivados para trabalhar e permanecer no escritório.
No passado, era mais aceitável ter chefes duros como parte dos esforços para chegar ao topo. Hoje, esta tolerância foi significativamente reduzida e o comportamento é um ingrediente crucial para manter bons níveis de motivação.
Flexibilidade e comportamentos orientados para resultados
Outro elemento-chave para a motivação é a adoção de uma abordagem de trabalho mais flexível e orientada para resultados.
Num escritório em que o faturamento é baseado no tempo, o número de horas trabalhadas parece ser crítico para o sucesso. No entanto, as gerações mais jovens preferem se concentrar em objetivos específicos, independentemente do tempo necessário, e valorizam a flexibilidade na forma como esses objetivos são alcançados. Embora isto nem sempre seja viável, os sócios devem levar isso em conta na organização do trabalho e na distribuição de tarefas.
Veja mais: Remuneração: o único fator que determina a retenção e atração de talentos?
Acendendo paixão
A paixão é um conceito sutil, mas poderoso, que surge quando encontramos a combinação certa entre o que fazemos, como fazemos e com quem fazemos.
Hoje, muitos aspectos competem pela atenção dos jovens advogados, dificultando a criação do ambiente adequado. Por essa razão, os escritórios de advocacia devem se esforçar para atrair e reter os melhores talentos.
Sempre haverá advogados talentosos dispostos a aprender e crescer em suas carreiras. Os escritórios de advocacia precisam trabalhar mais para criar as condições adequadas para esses profissionais.
Entretanto, isso não se consegue simplesmente reduzindo as horas de trabalho ou concedendo mais benefícios; é preciso aprimorar e tornar-se mais profissional e eficiente nos elementos básicos que são fundamentais: bom trabalho, ótimos mentores e um ambiente de trabalho amigável e eficiente. Basta olhar para o escritório com uma nova perspectiva para encontrar formas de melhorá-lo.
*Jaime Fernández Madero é fundador da Fernández Madero Consulting e especialista em questões organizacionais relacionadas a serviços profissionais, com especialização em escritórios de advocacia.
Add new comment