Moeda chinesa avança, mas dólar ainda deve reinar por muito tempo

Nos últimos dois anos os yuans bateram recorde de participação entre as moedas que compõem as reservas internacionais do Brasil./ Unsplash - Eric Prouzet.
Nos últimos dois anos os yuans bateram recorde de participação entre as moedas que compõem as reservas internacionais do Brasil./ Unsplash - Eric Prouzet.
Desde a crise financeira de 2008, a China trabalha para elevar o peso do renminbi/yuan no comércio internacional, movimento que ganhou força após o bloqueio das reservas russas em dólar, em virtude da invasão da Ucrânia, mas que só conseguirá transformar a moeda em uma alternativa viável se a China mudar.
Fecha de publicación: 20/06/2023

Na cúpula Rússia-China em março, o presidente Putin anunciou que as transações comerciais entre a Rússia e os países da Ásia, África e América Latina seriam feitas em renminbi. Este é o nome da moeda chinesa, cujas unidades são contadas em yuans.

“Às vezes, penso que toda a questão renminbi/yuan é uma conspiração sinistra dos chineses, projetada especificamente para impedir as pessoas de discutir a política monetária chinesa”, escreveu uma vez, no New York Times, o economista Paul Krugman.

A política monetária chinesa tem sido uma questão menos discutida do que o aumento da importância dos yuans nas reservas internacionais de países como o Brasil, por exemplo, nos últimos dois anos. Antes da cúpula Rússia-China, em dezembro, a China e a Arábia Saudita já haviam realizado sua primeira transação com yuans.


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“Acrescentando o Irã, outro país às voltas com as sanções dos EUA, em breve os ‘petrodólares’ poderão ser substituídos na discussão pelos ‘petroyuanes’”, analisa em artigo recente o economista Otaviano Canuto, ex-Diretor Executivo do FMI e ex-vice-presidente do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

De fato, nos últimos dois anos os yuans bateram recorde de participação entre as moedas que compõem as reservas internacionais do Brasil, passando ao segundo lugar, superada apenas pelos dólares. Ainda que estes tenham chegado a dezembro de 2022 com fatia superior a 80% das reservas, enquanto o renminbi somava pouco mais de 5%. 

Como publicou a LexLatin, um dos acordos assinados na recente visita do presidente Lula à China foi o do banco sino-brasileiro BOCOM BBM, que anunciou sua adesão ao CIPS (China Interbank Payment System). Este é o equivalente chinês ao Swift, o sistema de pagamentos internacionais mais conhecido, do qual a Rússia foi excluída, em meio às sanções ocidentais pela invasão à Ucrânia.

Há um sentido em evitar o dólar nas transações comerciais Brasil-China. A China é o maior parceiro comercial do país, sendo destino de mais de 30% das exportações e origem de mais de 20% das importações. Ao excluir um intermediário nessa operação, que é o Federal Reserve (Fed, o  Banco Central dos EUA), desdolarizar elimina um custo no fluxo de transações comerciais. O Brasil já fez isso na década de 1950, com países socialistas que não podiam usar o dólar. Na época não funcionou tão bem porque o fluxo de negócios não registrava volume que justificasse, como agora. Era uma questão apenas política.

O renminbi pode substituir o dólar?

Mas e agora, que países como Chile a Argentina também têm apresentado iniciativas de desdolarização em suas transações comerciais, especialmente com a China? Os acordos que o Brasil assinou este ano poderão fazer crescer ainda mais o volume de yuans nas reservas brasileiras? O renminbi pode acabar por se tornar mais importante do que o dólar, no mundo?


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As sanções financeiras impostas à Rússia, que ficou impedida de usar suas reservas em dólar, deram impulso a esse debate. A questão é que talvez a política monetária chinesa ainda não seja capaz de oferecer uma alternativa viável ao dólar, como lembra o economista Roberto Dumas Damas, mestre pela Universidade de Fudan, na China, que representou o Itaú BBA em Xangai, de 2007 a 2011, e atuou no banco dos BRICs, em Xangai, em 2017: “Mesmo em operações com chineses, eles preferem receber em dólar.”

“Ninguém tem problema com o yuan. Só que, se for superavitário, como o Brasil, que tem US$ 27 bilhões de superavit comercial, o que vou fazer com esse yuan? Posso investir na bolsa de Xangai, livremente? Não, porque a conta de capitais do balanço de pagamentos na China é fechada. Posso emprestar para outras empresas? Também não posso. Posso fazer investimento direto comprando outra empresa? Não. Então, eu prefiro ter o dólar na minha frente”, explica.

Segundo ele, existe o receio na China de que aconteça o mesmo que houve nos chamados “tigres asiáticos”, em 1997 e 1998. Na época, a Crise da Ásia provocou uma “parada súbita” nas economias de países como Taiwan, Indonésia, Malásia e Coreia, quando deixou de entrar dinheiro e começou a sair. Ou seja, uma crise cambial.

“A entrada e saída rápida de capitais pode suscitar uma alta volatilidade do câmbio e uma tensão social, ou um problema no crescimento econômico. A característica das democracias é poder se dar ao luxo de ter uma queda no PIB. O PIB caiu 3%, caiu 4%, o que faço? Não vou votar nesse cara. Eventualmente passa um impeachment e ele sai. Só que, na China, não pode tirar o Partido Comunista chinês. Então não pode ser dar ao luxo que culmine numa queda drástica da atividade econômica que suscite uma tensão social que alguém se levante e diga que está cansado. A última vez que isso aconteceu foi em 1989 (ano do Massacre da Praça da Paz Celestial). Economicamente, a solução é simples, só que a economia não está totalmente dissociada da política, que não está dissociada da sociedade", lembra.


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Ele questiona: se é proibida a entrada e saída de capitais livremente, por que será melhor ter a moeda da China do que a dos EUA, considerada “refúgio seguro”, inclusive por não manipular o câmbio e ter um mercado financeiro aberto, maior e mais líquido? “Dez anos atrás havia essa discussão em torno do euro. Ninguém está dizendo que o dólar é uma maravilha. É o menos ruim. Vai aumentar mais a presença do yuan nas reservas. Substituir, dificilmente, nos próximos 10 anos.”

Ajustes jurídicos para acordo Brasil-China

Do ponto de vista jurídico, Pedro Eroles, sócio do TozziniFreire Advogados, afirma que o uso de moedas locais de Brasil e China na transação entre os países depende de alguns ajustes operacionais e de outros acordos mais específicos.

“Ou seja, acordos de comércio internacional, ajustes no sistema de câmbio do Banco Central. Desde a quebra do sistema de Bretton Woods, em 1973, o dólar é a moeda de referência para as transações internacionais. Por exemplo, se o Brasil decide iniciar transações com a Argentina com base num pareamento com o yuan, isso depende também de uma decisão da Argentina. No âmbito do comércio internacional, o Brasil abre uma janela com a China, mas na relação com outros países, essa decisão precisa ser tomada também por esses países”, alerta.

Segundo o advogado, “o nosso sistema cambial hoje está todo baseado nesse pareamento primeiro com o dólar, para depois a conversão em outras moedas”:

“Esse é um ajuste que provavelmente vai ter uma regulação específica. Com relação a outros países latino-americanos, a ideia é que se tenha também tratados para o uso dessas transações de câmbio com base no yuan. Eventualmente, a gente vai ter cotações cambiais diferentes, porque a cotação cambial é com base numa intermediação pelo dólar. Então, esse ajuste vai se dar também numa nova cotação de câmbio pareada ao yuan, que vai ser paralela à cotação de câmbio mais tradicional. Quando a gente pensa em derivativos internacionais, isso cria toda uma possibilidade até de arbitragem”.

O advogado Rodrigo Jansen, sócio do Leal Cotrim Advogados, acredita que o acordo assinado este ano, na China, resgata um esforço de fortalecer as relações comerciais:

“Em março de 2013, foi realizado um acordo de swap (troca de ativos, como, no caso, moedas) no montante de até R$ 60 bilhões, o qual foi regulamentado pela Resolução BCB 4.200 de 2013. O acordo visava proteger o Brasil de eventual iliquidez de moeda estrangeira, o que não ocorreu. Na prática, o acordo teve muito mais um significado político, já que não foram feitas quaisquer operações durante os seus três anos de vigência. Agora, as regras de câmbio do Banco Central, inclusive a Resolução BCB 277 de 2022, já permitem a realização de operações de câmbio em yuan ou quaisquer outras moedas. O que faltava era a adesão de instituições financeiras interessadas na intermediação dessas operações.”


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Desde a crise financeira global, em 2008, a China tem buscado ampliar o uso do renminbi no comércio internacional e como ativo de reserva em outros bancos centrais. Esse objetivo foi seguido pela estratégia de assinar uma série de linhas de swap cambial com outros países.

Essas linhas, contudo, ainda têm sido muito pouco utilizadas. Apesar dos esforços, Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, acredita que “não está no horizonte das próximas cinco décadas” a substituição do dólar pelo renminbi.

Considerando a expectativa de crescimento da Austin Rating, os EUA perderão a posição de primeira economia do mundo, em dólares, em 2035. Mesmo isso não quer dizer, porém, que o renminbi vá substituir o dólar.

“Para substituir o dólar, precisa ter a confiança do público. Qualquer cidadão que viaja para qualquer lugar do mundo quer saber a variação do dólar. Precisa mudar a cultura das pessoas para mudar o padrão monetário”, conclui Agostini

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