Barreiras de comunicação na advocacia: novos advogados, velhos hábitos

Para alcançar essas mudanças, devemos reconhecer a presença de uma curva de aprendizado. / Crédito da imagem: www.canva.com
Para alcançar essas mudanças, devemos reconhecer a presença de uma curva de aprendizado. / Crédito da imagem: www.canva.com
As velhas práticas podem ser uma barreira de comunicação para os advogados.
Fecha de publicación: 22/08/2023

Recentemente li Hábitos atômicos, de James Clear. Esse livro nos encoraja e ensina a fazer aquelas pequenas, mas significativas mudanças que sempre desejamos fazer. Adorei a forma como o livro não apenas oferece recomendações sobre como formar novos hábitos, mas também nos ajuda a entender as razões pelas quais adotamos e mantemos velhos hábitos, mesmo quando eles não são bons para nós.

À medida que a leitura avançava, pude refletir sobre nossa forma de nos comunicarmos como advogados: muitas vezes ela tende a ser desnecessariamente complexa, tanto em nossas interações internas quanto naquelas com os demais “mortais”.

Ao longo da minha carreira, venho coletando opiniões de muitos profissionais e estudantes sobre as barreiras de comunicação construídas, e acho que, finalmente, consegui ter uma ideia relativamente clara sobre quais são essas barreiras.

Porém, é importante esclarecer que, quando menciono barreiras de comunicação, não me refiro apenas àquelas que dificultam a compreensão de nossas mensagens. A minha abordagem abrange também aquelas barreiras que, de forma ainda mais preocupante, nos impedem de construir relações cada vez mais próximas e efetivas, tanto entre nós como com os nossos interlocutores.


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Uma dessas barreiras é o uso de latinismos e palavras rebuscadas. Nossos escritos, audiências, resoluções e relatórios estão sobrecarregados de termos como "outrossim", "ad hoc", "ad quem", "subjudice", "a quo", "data venia", entre outros; termos que até os próprios advogados têm dificuldade em entender.

Outra das barreiras que tenho observado é o uso de linguagem condicional ao expor uma análise ou mesmo uma opinião aos nossos clientes. É o caso, entre outras, da frase “eu entenderia que” e sua variante “poderia entender que”, que são utilizadas como mecanismos para fugir à responsabilidade e refletir o medo do erro.

Outra barreira que identifiquei nos últimos anos é o uso desnecessário de anglicismos na linguagem jurídica. Algumas vezes seu uso se justifica, principalmente quando se refere a documentos redigidos em inglês, quando há transações com partes não falantes de espanhol ou português ou quando não há termo mais apropriado em espanhol/português. No entanto, temo que esses casos sejam a minoria.

Assim, nossa linguagem abusa de palavras como "êne-di-ei" (NDA) para se referir a acordos de confidencialidade, "diɫ" (deal) para mencionar transações ou negociações, ou "afəˈdāvit" (affidavit) quando se fala de uma declaração juramentada. E vamos parar por aqui antes de chegarmos a "ín-haʊs-ˈlɔɪər" (in-house lawyer) ou "lɔː-fɜːrm" (law firm).

Não se pretende com isto uma cruzada para erradicar esse tipo de palavras da nossa língua, mas apenas refletir se esta forma de nos comunicarmos vem de velhos hábitos adotados e detectar as razões subjacentes à sua criação e conservação, ou seja, poder descobrir o que nos anima a continuar usando-os.


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Clear afirma que o efeito do nosso entorno no comportamento e na criação de hábitos é indiscutível, moldando nossa identidade pessoal e coletiva. Assim, as normas do nosso entorno são muitas vezes sedutoras, gerando uma acentuada tendência a imitar grupos de pessoas próximas, grupos grandes e grupos poderosos.

Essa ideia é perfeitamente aplicável aos advogados, que têm uma tendência natural de criar e identificar esse tipo de grupo em nossas relações sociais e profissionais.

Nosso entorno particular se caracteriza por ter um espaço acadêmico universitário tradicional, uma dependência acentuada de decisões judiciais e administrativas, relações de trabalho muito verticalizadas, competição profissional acirrada, tolerância ao erro quase inexistente e, principalmente, uma admiração excessiva pelos cargos de poder profissional.

A adoção e manutenção de velhos hábitos pode até se tornar a manifestação de um desejo aspiracional, a partir do qual adotamos hábitos como requisitos necessários para alcançar uma posição específica que nos define como profissionais. Nessa mesma linha, Clear reconhece que há uma enorme pressão social para o cumprimento das regras do grupo. Muitas vezes, preferimos imitar o comportamento do grupo para sermos aceitos, em vez de fazer diferente e sermos questionados.

Tenho observado que, no setor jurídico, é comum optar por seguir velhas práticas e manter a filiação ao grupo, em vez de traçar novos caminhos e agir de forma independente, por medo de ser rotulado indevidamente.


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Ora, se o que foi exposto até aqui faz sentido para nós, o que devemos fazer? Não podemos nos limitar a analisar e aceitar uma realidade que no fundo não queremos. Clear sugere que, para alcançar essas mudanças, devemos reconhecer a presença de uma curva de aprendizado que devemos percorrer. Nesta curva, a repetição das ações que forjam uma nova forma de comunicação adquire um papel importante, pois permite automatizá-las e torná-las quase imperceptíveis.

Este esforço exige muita vontade e perseverança, tanto pessoalmente como em grupo. De imediato, podemos não receber nenhum reconhecimento por nossa contribuição "disruptiva"; em vez disso, poderíamos enfrentar inúmeras perguntas.

Por fim, é importante entender que abandonar velhos hábitos de comunicação implica um compromisso com a autorregulação. Isso significa buscar a coerência entre o que acreditamos ser o melhor para nós, para a advocacia e para a sociedade como um todo.

Tudo isso me fez lembrar da teoria viral dos carrinhos de supermercado. Por que deixamos o carrinho de supermercado abandonado em qualquer lugar do estacionamento depois de usá-lo, em vez de devolvê-lo ao lugar em que o pegamos? Alguns acreditam que essa teoria é um indicador da capacidade de uma pessoa se governar. Devolver o carrinho ao local designado é uma tarefa simples e reconhecida como correta, mas poucos o fazem devido ao esforço e à falta de recompensas por fazê-lo, bem como pela falta de consequências por não fazê-lo.

Essa teoria afirma que nossa atitude em relação ao carrinho de supermercado vazio define nosso papel na sociedade, em nosso entorno e em nosso ambiente. Convida-nos a meditar sobre o que estamos dispostos a fazer, não por obrigação, mas por opção, sem esperar recompensas e com a certeza de que estamos fazendo a coisa certa.

Por isso, considero importante refletir sobre nossos hábitos e comportamentos de comunicação. Não devemos aceitá-los como imutáveis ​​ou, pior ainda, como características definidoras de nossa identidade. Perguntemo-nos: quantos carrinhos de supermercado abandonamos no desenvolvimento de nossa profissão? E agora, estamos dispostos a colocá-los de volta no lugar?

*Antonio Santander, fundador e diretor executivo do Canvas Legal, vice-presidente da Associação Latino-Americana de Gestão Jurídica e professor universitário da Pacífico Business School, CENTRUM-PUCP e da Universidade San Ignacio de Loyola ([email protected]).

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