Saúde pública e compliance: Rodolfo Pinto, da Terumo, fala sobre os desafios na América Latina

Procurar oportunidades e oferecer soluções em cada caso é o que significa dar o “extra mile” nesta profissão.
Procurar oportunidades e oferecer soluções em cada caso é o que significa dar o “extra mile” nesta profissão.
As organizações que promovem uma cultura ética atingem seus objetivos comerciais com mais frequência, alcançam maior satisfação do cliente e aumentam a produtividade dos funcionários.
Fecha de publicación: 01/11/2022

As indústrias farmacêutica e de dispositivos médicos são bastante vulneráveis a possíveis reclamações legais, investigações internas e penalidades financeiras. Se somarmos a isso o contexto pós-pandemia, a vulnerabilidade cresce ainda mais.

A forma mais eficaz de diminuir  essa vulnerabilidade é reforçar o nível de ética nas diferentes frentes da função de compliance: combate à corrupção, concorrência, concursos públicos, conflitos de interesse, a legitimação de capitais, proteção de dados e avaliação de fornecedores, parceiros e concorrentes.

Na indústria da saúde, é grande a necessidade de elevar os padrões de qualidade e ética organizacional. Procura-se operar em um ambiente de extrema observância. Nesse sentido, o papel do Compliance Officer não é apenas protagonista, mas também necessário para o crescimento e continuidade da organização.

Para entender como um programa de compliance é definido e executado nesses setores, a LexLatin conversou com Rodolfo Pinto, que é Head of Legal & Compliance LATAM da Terumo desde 2017. Pinto também foi Compliance Officer LATAM North no Grupo Merck, empresa em que trabalhou por sete anos.


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Ética corporativa, um fator chave para a organização

Que benefícios concretos a “ética corporativa” pode representar no âmbito de um programa de compliance?

Rodolfo Pinto: Quando as organizações implementam um programa de compliance – ou, como prefiro chamar, programas de ética organizacional – há benefícios tangíveis. Algumas leis, como a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, a Lei de Suborno do Reino Unido ou a Lei Colombiana contra Suborno Transnacional, oferecem penas de prisão reduzidas e multas monetárias menores para organizações que, de boa fé, implementaram programas de compliance, no caso de serem investigadas ou penalizadas.

Existem outros benefícios indiretos que impactam o ânimo e o trabalho diário dos funcionários: é fato que as organizações que promovem uma cultura ética são mais bem-sucedidas em alcançar seus objetivos de negócios, alcançar maior satisfação do cliente, aumentar a produtividade de seus funcionários e melhorar a colaboração interna. Tudo isso contribui para melhorar a reputação da empresa e o valor de sua marca, ao mesmo tempo em que fortalece o vínculo de confiança com a organização e seus líderes.

Qual é a sua percepção da prática de compliance na América Latina? Existe realmente um fortalecimento dos sistemas regulatórios para as empresas de saúde?

A realidade em nossa região é muito complexa e as novas regulamentações de compliance afetam todas as indústrias, não apenas as do setor de saúde. No entanto, o último relatório anual do Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, divulgado em janeiro deste ano, indica que a maioria dos países das Américas não apresentou melhorias significativas no combate à corrupção.

Nos últimos 10 anos, apenas a Guiana e o Paraguai fizeram melhorias significativas, enquanto três das democracias mais fortes da região – Estados Unidos, Canadá e Chile – estão, infelizmente, mostrando deterioração.

Venezuela, Haiti e Nicarágua obtiveram as piores pontuações da região com 14, 20 e 22 pontos, respectivamente.

Este relatório reúne a opinião de especialistas em riscos e profissionais anticorrupção dos 180 países avaliados, usando uma escala de 0 a 100 (onde 0 é “muito corrupto” e 100 é “muito transparente”). Nos últimos três anos, a região mal atingiu a média de 43/100 pontos, o que significa que, independentemente das mudanças de governo e legislação, os países das Américas estagnaram no combate à corrupção.


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Quais são suas recomendações para enfrentar a crise ética na região?

Nosso setor tem a obrigação de elevar os padrões éticos e melhorar as práticas de negócios, o que fazemos continuamente devido às altas demandas de transparência das matrizes localizadas em países com instituições judiciais fortes, competentes e independentes.

Acredito que o principal desafio para a região não é criar novas regulamentações, mas sim ter instituições e funcionários públicos com grande senso de responsabilidade e cultura ética. É a maneira de fazer cumprir uma série de normas existentes que, em muitos casos, estão no mesmo nível das regulamentações mais avançadas do mundo.

Propósito

Qual você acha que é o extra mile que novos profissionais na função de compliance devem dar em um setor que impacta diretamente a saúde pública?

Duas coisas devem ser levadas em consideração. A primeira é que a função de compliance não se trata apenas de saber ”o que é devido e o que não deve ser feito", porque em muitos casos "o que deve e o que não deve ser feito" não está escrito. Existem regras que têm lacunas ou foram escritas há tantos anos que estão desatualizadas.

Em caso afirmativo, como você pode ajudar a organização a entender os riscos de sua operação? O risco é multidimensional, ou seja, é jurídico, econômico, financeiro, político, etc. Nesse sentido, profissionais de ética ou compliance que se concentram apenas no que a lei diz não estão dando o extra mile e não estão ajudando efetivamente suas organizações.

O segundo – talvez o mais importante – é entender que nosso papel é ser um provedor de soluções. Sem dúvida, acredito que essa é a milha extra que deve definir um profissional de ética ou compliance. É muito fácil dizer "você não pode" e essa também é a resposta mais confortável para sair rapidamente de uma situação. Às vezes, há coisas que podem ser feitas sem incorrer em qualquer conduta antiética.

Vestir a camisa e suar, sujar as mãos, sair pelas ruas em busca de oportunidades e dar soluções em cada caso é o que significa dar o “extra mile” nessa profissão.

Qual foi o fator decisivo para focar sua carreira nas indústrias farmacêutica e de dispositivos médicos?

Estaria mentindo se dissesse que sempre tive uma visão muito clara sobre trabalhar na área da saúde. Comecei minha carreira em escritórios de advocacia na Venezuela e foi por mera coincidência que um headhunter me contratou para um cargo na Merck. Foi lá que começou minha carreira profissional na área da saúde, em 2009.

A partir desse momento, percebi que existe um forte sentido de propósito para as pessoas que trabalham nessa indústria e isso, para mim, é um fator decisivo. Aqui na Terumo temos um lema chamado “Gemba”, que é uma expressão japonesa que significa “olhe onde as coisas acontecem” e remete à necessidade de absorver a realidade.

Meu trabalho exige mais do que executar as tarefas básicas da função de compliance ou dar treinamento em ética. É fundamental visitar hospitais, entender como podemos facilitar ou melhorar o trabalho dos médicos, realizar reuniões com agentes públicos, reunir-se com fornecedores e manter contato com advogados externos.

Acredito que todos os empregos são valiosos, mas essa indústria oferece a você a possibilidade de melhorar a vida de outras pessoas e, em última análise, dá a você um grande senso de propósito.


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Com duas certificações internacionais em Latin American Healthcare Compliance e mais de 12 anos de experiência no setor de saúde, qual você considera ter sido a sua contribuição profissional mais valiosa para o setor?

Eu tenho três respostas para essa pergunta. A primeira é que todos os profissionais da área de compliance devem contribuir com um grão de areia, por meio de ações cotidianas, para a construção de uma “cultura de ética” na empresa. Todos os dias surgem desafios, tentações, ofertas de fornecedores, clientes ou funcionários públicos, etc. No entanto, é essencial entender que uma cultura de ética organizacional é um projeto de longo prazo com valor real.

A segunda resposta refere-se a projetos tangíveis que me deram grande satisfação pessoal: pude participar da redação do Código de Conduta da AFIDRO (Associação dos Laboratórios de Pesquisa e Desenvolvimento Farmacêutico) para o ano de 2015. Essa versão do código deu um salto qualitativo grande em comparação com as versões anteriores.

Também participei da redação do atual Código de Ética da Câmara de Dispositivos Médicos da ANDI (Associação Nacional de Industriais da Colômbia), que está em vigor desde 2020. Uma das grandes mudanças desse novo código foi a introdução, na Colômbia, da proibição de patrocínios para eventos de terceiros. Em 2018, códigos de conduta em todo o mundo (Europa, Ásia-Pacífico, México, Brasil) adotaram esse padrão, no entanto, a Colômbia havia ficado para trás. Hoje, o código está refeito e estamos trabalhando em uma nova atualização que sairá em 2023.

A terceira resposta é sobre um projeto recente relacionado à abertura de nossas operações diretas em Porto Rico, em 2022. Originalmente, a Terumo trabalhou o mercado porto-riquenho com alguns distribuidores locais que geraram um crescimento modesto. No entanto, a empresa acreditava que havia um enorme potencial de crescimento se abrisse sua própria operação. Este foi um projeto complexo porque a lei de Porto Rico protege os distribuidores locais de forma muito clara. Eu tive que liderar essa negociação e uma transição amigável foi alcançada ― sem litígio ― e isso representa um caso claro de sucesso.

Resumindo, aqui estão as três respostas: o grão de areia de cada dia, os projetos tangíveis da indústria e os projetos tangíveis individuais da empresa.

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