Direitos conquistados para grupos vulneráveis: mito ou marco?

As diferenças de pensamento e estilo de vida não representam uma ameaça ou uma vulnerabilidade. / Crédito da imagem: www.canva.com
As diferenças de pensamento e estilo de vida não representam uma ameaça ou uma vulnerabilidade. / Crédito da imagem: www.canva.com
Avanços foram feitos em termos legais, mas não conseguiram permear a realidade.
Fecha de publicación: 15/08/2023

"Uma sociedade não se define apenas pelo que constrói, mas pelo que se recusa a destruir" John Sawhill.

Este ano, durante o mês de junho, no âmbito das comemorações do Orgulho da Diversidade Sexual, ocorreram acontecimentos relevantes sobre os quais quero fazer uma reflexão. Certamente é um marco que nações e sociedades tenham reconhecido que a diversidade sexual não representa uma ameaça, mas sim fortalece nossas comunidades. Entretanto, apesar desse motivo de comemoração, o objetivo desta coluna é abordar o assunto de uma perspectiva mais ampla.

Nestes tempos de grandes mudanças, surge uma faceta do direito que enfrenta uma crise da qual raramente se fala. Referimo-nos à progressividade dos direitos dos grupos vulneráveis.

Quando estudamos direito, a corrente ocidental adota a perspectiva de que, uma vez reconhecido um direito a um grupo, trata-se de uma conquista social que ficará marcada de forma indelével e permanente.

Esta concepção é análoga a uma série de marcos na história da humanidade que nos conduzem a um futuro de liberdade, igualdade e fraternidade, quando finalmente cessarão as injustiças. Essa abordagem reflete o mito humanista liberal sobre o qual fomos criados desde a época do Iluminismo.


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Neste contexto, observamos com alegria como, graças ao trabalho de destacados juristas, se conseguiu a abolição da escravatura, o reconhecimento do direito de voto às mulheres, a proibição da discriminação negativa e estamos na fronteira de promover temas como o casamento igualitário e os direitos das pessoas trans.

Vislumbramos um futuro em que continuaremos caminhando nessa direção até que todos sejamos tratados com igual dignidade e as injustiças desapareçam. O progresso é inevitável.

Algumas sociedades podem relutar por um tempo, mas acabarão aceitando o progresso em direção à humanização. Mesmo que a princípio esteja apenas refletido na lei, com o tempo será integrado pela sociedade.

O problema disso, apesar de ser um objetivo nobre, é que o sucesso não é completo. Ou seja, embora tenha sido alcançado em termos legais, não conseguiu permear a realidade.

Sabemos que a escravidão moderna ainda está presente e que as mulheres vivenciam a desigualdade e a discriminação racial. Nesse contexto, particularmente no campo da diversidade sexual, as sociedades americana e europeia se dividiram, mostrando uma hostilidade semelhante ao debate em torno da escravidão no século XIX.

Parece que não alcançamos realmente êxito na nobre tarefa de convencer nossas sociedades de que as diferenças de pensamento e estilo de vida não representam uma ameaça ou uma vulnerabilidade. Muito pelo contrário, essas diferenças geram diversidade de pensamento, requisito crucial para a inovação e a criação de riqueza econômica, social e cultural. Por isso, deve-se proteger e evitar que uma maioria imponha a diversas comunidades a obrigação de deixar de ser diferentes.


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Os críticos que sustentam que isso seria antidemocrático têm negligenciado o fato de que a verdadeira democracia não consiste na imposição da vontade das maiorias, mas no governo de todos e para todos, reconhecendo nossa valiosa diversidade.

Por outro lado, os defensores da diversidade esquecem que as sociedades são organismos vivos, que se adaptam e evoluem em função das circunstâncias particulares que enfrentam. Em geral, uma sociedade que desfruta de fartura está disposta a compartilhar seus recursos com todos, enquanto aquela que enfrenta escassez real ou iminente tende a ser menos amigável com diversos grupos.

É daí que vem o verdadeiro problema: se as sociedades mudam, tudo o que conquistamos não é imutável.

As leis que protegem esses direitos estão sujeitas a mudanças, assim como os próprios escritórios que as apoiaram na época. Isso não é novo: os regimes totalitários das décadas de 1930 e 1940 claramente regrediram nesse sentido, desfazendo os avanços dos anos 1920.

Há exemplos interessantes: inicialmente, o capitalismo se opôs à libertação das mulheres, considerando-a uma ideia associada ao comunismo, e não se interessou pela diversidade (porque é mais fácil vender pela uniformidade). Porém, com o tempo, ele assimilou ideias opostas e, paradoxalmente, hoje encontramos partidos de esquerda que não defendem a diversidade social, enquanto grandes corporações investem somas consideráveis ​​em campanhas de pinkwashing.


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Recentemente, testemunhamos um recuo gradual, mas generalizado, globalmente, com movimentos populistas rejeitando ideias liberais de diversidade e preferindo usar as maiorias como um bastião de poder. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte retrocedeu uma geração de direitos que pareciam permanentes.

Nesse mesmo mês de junho, o referido Tribunal decidiu um caso que, paradoxalmente, permitia a discriminação e a negação de serviços a um homossexual por motivos religiosos.

Partidos de diversas orientações políticas, tanto na Europa quanto na América Latina, questionam todas essas “conquistas sociais” e buscam reverter os avanços alcançados. As sociedades estão adotando uma atitude cada vez mais intolerante.

São muitas as teorias que tentam explicar as causas desse declínio gradual, e uma delas é relevante: estamos em uma transição de época, ligada às vertiginosas mudanças tecnológicas na comunicação, como aconteceu com a invenção da imprensa, rádio e televisão, que geram gigantescas ondas de disrupção e turbulência social.

No entanto, nem tudo é negativo. Na perspectiva dos juristas, isso representa um desafio intelectual e profissional para melhorar, reinventar e criar ferramentas e instituições jurídicas que continuem a proteger os valores fundamentais da sociedade.

*Xavier Careaga é advogado especializado em tecnologia, redes sociais e mercados digitais, tecnologia da informação, mídia e telecomunicações, regulação de conteúdo digital, liberdade de expressão e ativista pelos direitos da diversidade, igualdade e inclusão.

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